Conheça Uni-KA, uma das pioneiras do Rap no Brasil

Escrito por Fellipe Santos 20/04/2018 às 15:00

Foto: Divulgação
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Por Taz Mureb; Originalmente postado em Portal Rap Di Mina

Conhecida como Márcia 2pac, parou de fazer Rap há dez anos e agora volta com dois singles pesadíssimos e já gravando o primeiro CD.

Seu primeiro single foi lançado em 2004, em um projeto com o DJ Fábio ACM, uma parceria com o Governo Federal em uma campanha antitabagismo. Antes disso já se apresentava em alguns locais como o famoso (no underground) Disco Voador, passando rapidamente a apresentações na Sinuca da Lapa e Circo Voador.

“Eu comecei a rabiscar na época do funk na escola, eu tinha uns 13 anos, fazendo parodiazinha zuando os amigos e tal… Sempre gostei de pilhar os outros. Com 18 anos fiz minha primeira apresentação no Disco Voador. O projeto com o DJ Fábio me deu valor como MC, eu comecei a receber dinheiro com as apresentações, coisa que nunca havia recebido. Mesmo assim era muito pouco, não tinha a visibilidade de hoje, aí tive que optar por ir trabalhar com carteira assinada e tal”

Em 2005, deu um boom com o hit Boladona, que trouxe repercussão nacional. Seu vulgo na época era Márcia 2pac, e ela foi convidada para se apresentar no Hutúz, principal Festival da história do Rap Nacional. Numa época onde mulheres no microfone eram raras e quase não se falava sobre feminismo, Márcia se destacava pelas rimas pesadíssimas e livres, com letras agressivas e debochadas, também pelas suas influências de funk, rock e samba, além da vivência de preta periférica, nascida em Rocha Miranda/Rio de Janeiro.

“Mulher sempre houve, na época que comecei eram poucas referências femininas com visibilidade, mas sempre houve mulher fazendo barulho e não eram poucas, é só você olhar o documentário Rap Di Saia que vai saber uma pá de mulher aqui no RJ fazendo barulho. Mulher que me inspirava na gringa era Da Brat e Lil Kim. Nacional era Rubia do grupo RPW, pois sempre me identifiquei com o bate cabeça.”

Mesmo não gostando do termo feminista a rapper declara que era um tema recorrente na sua música e na sua vida:

 

RAPDIMINA: Você já tinha consciência na época de que era feminista?

Uni-KA:Eu não tinha ciência de que era feminista, apesar de não gostar desse termo. Violência à mulher sempre esteve presente na minha casa, era quase cultural. Mulher que não apanhava não era Martins.”

RAPDIMINA: E você acha que isso te influenciou na atitude, no discurso?

Uni-KA:Total. Eu sou ou o que aprendi a ser dentro de casa. Imagina uma criança que apanhava por tudo mesmo sendo quieta? Que via sua mãe apanhar, ser traída e morrer de câncer, mesmo sem ter antecedentes dessa doença na família. O que matou minha mãe foi pancada e tristeza. Minha mãe faleceu no 12 de fevereiro de 2000, desmaiando em meu braço, eu com 17 anos. Minha mãe cega apanhava, na cara, do meu pai e ouvia que ela estava dando trabalho, ouvia: “por quê não morre logo?!”, entre outras coisas que passávamos.

RAPDIMINA: E o que te motivou a voltar agora?”

Uni-KA: O que me motivou a voltar… sei lá, acho que foi o incentivo de amigos. Porquê força eu não tinha. Após a morte dos meus pais (meu pai morreu em 2010) a vida deu uma desmoronada, minha família se mostrou ser quem era. Morei na rua e vivo de bondade de amigos e como indigente, sem documentos (risos)
A depressão não me deixava voltar a escrever. Fui estuprada aos 13 anos e não podia contar pois meu pai era misógino ao ponto de dizer que a culpa era minha.
Enfim, os amigos e o sagrado me impulsionaram a voltar. O Rap e uma forma de me livrar da impotência em certas questões.

E voltou afiada.

Em 2017, após 10 anos parada e sem gravar nenhum som, Márcia se reformulou e voltou com novo vulgo Uni-KA e um single pesado: Afrontah

Afronta surgiu devido a meu nome não sair da “boca de Matilde” né (risos)… Fofoca sempre ressuscitando minha pessoa na boca miúda, e é mona que que conviveu comigo há tempos. A última que soube, eu queria dar um pau na mona, mas como tava morando na toca du tatu não dava… aí saiu Afrontah” declara sem papas na línguas.

Aliás uma das coisas que mais impressiona na Uni-KA é realmente esse jeito único que ela tem de falar, de zoar, de se expressar nas letras de uma maneira muito agressiva, chegando a ser comparada atualmente com a MC Carol do Rap. Sempre se reinventando, Uni-KA mostra pras minas que força de vontade e talento não se perdem com o tempo.

“Saí da minha zona de conforto que é o boom bap, metendo um trap. Mas não foi o meu primeiro trap. Já havia cantando trap em 2004 no som Ser Livre.”

RAPDIMINA: E sobre o trap, etc. Você acompanha a cena atual? Quais artistas você curte?

Uni-KA: Sim acompanho os atuais sim, curto em geral. O Bloco 7, Djonga, Baco Exu do Blues, Souto Mc, Taz Mureb, Ainá, enfim vou babar ovo e xota à beça aqui (risos) Curto muita gente da cena atual, curto a Lívia Cruz também, bota aí…

RAPDIMINA: E o que falta pra cena hoje na sua opinião?

Uni-KA: O que falta na cena hoje é as minas favelada, falando pra nós, tá ligada? É muito cientista gourmet no Rap, sinto falta do protesto claro e objetivo. Sei lá, eu sou dessas: palavroeira boca suja e dedo na ferida… e o grande foda-se!”, solta Uni-KA passando uma visão real sobre a gourmetização do Rap nos últimos anos, que embora tenha contribuído muito pra comercialização do produto Rap, deixa a desejar em alguns aspectos. Sinto falta das mulheres negras na cena atual, talvez o nosso desprivilegio não nos deixe aparecer… não tenho ódio de mulheres de pele branca não, mas algumas alma de “Lady Die” são mais bem quistas que as Dandaras. Mulheres pretas periféricas como eu precisam estar no topo também. Quanto menos escura é melhor? Pois senão, faça a diferença, pois não e o que parece.
Sou mulher preta e gorda, na escala sou a última da fila, por isso meu grito tem que ser mais forte, pra vocês me ouvirem… ainda estão com o ouvido sujo, mas ainda tenho força, grito mesmo. Vejo muita história pra enganar “ingrês”, muita “mulher sofrida” em berço de família estabilizada e nós que viemos de história conturbada temos o “cu como resposta mas foda-se, vou chegar assim mermu.

RAPDIMINA: E o que falta pro RapDiMina virar?

Uni-KA: E o que falta pras minas virarem? Ah, mana na real, as minas têm que unir, tá ligada? Puxar, fazer feat, ajudar, fazer banca, puxar a outra e tal. Mulheres no poder é o cão de fato, somos profissão repórter, temos faro. Mas ainda somos burras, passionais, aí vem a brecha…

RAPDIMINAFala um pouco pra gente dos próximos projetos.

Uni-KA: “Liberta Plus é meu próximo single. Deu muita repercussão mesmo sem um lançamento oficial. Uma modelo Plus Size usou a música para um vídeo dela se maquiando e deu mais de 170 mil visualizações em menos de 48 horas.

Liberta Plus é o grito de liberdade de quem sofre a gordofobia desde criança, dentro de casa, na escola, na pqp … sempre tem aquela piadinha maldita, aqueles gestos preconceituosos. Liberta Plus pra mim é o “grande FODA-SE” na cara da sociedade hipócrita. Mulher preta e solitária é objetificada, mas a mulher gorda é mil vezes pior… temos vários adjetivos negativos. Fora que somos objetos sexuais às escondidas né, querem meter o piru nas mana gorda, mas assumir ainda dá vergonha…ah, tomar no cú né”

Enfim falar de mulher gorda, não é só falar que são bonitas e tratá-las bem, é cuidar da autoestima, pois as manas se mutilam por conta de padrões estabelecidos e não por saúde ou por vontade própria.

A cena agradece o seu retorno, mana!

Para ler entre essas e outras entrevistas, visite o Portal Rap Di Mina.

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