Como os artistas independentes quebraram a indústria musical brasileira

Ilustração da capa: DAPENHA

O Brasil, nos últimos anos, tem tido contato com uma grande diversidade de novos ritmos sendo incorporados na identidade musical nacional. Desde 2019, tem crescido cada vez mais sons autênticos, derivados de outros gêneros clássicos brasileiros, como é o caso da Pisadinha, movimento cultural nordestino ramificado do forró, que tem como representantes João Gomes e Barões da Pisadinha. Pela primeira vez na história, o cardápio musical brasileiro tem a identidade do país e, a construção dessa identidade, está diretamente atrelada à quem a constrói.

Pode parecer contraditório dizer que a identidade musical brasileira está diretamente atrelada a quem a constrói, mas, analisando as músicas populares brasileiras através dos anos, pode-se perceber que a diversidade de ritmos só foi um fenômeno possível, graças à organização da cena independente e o enfraquecimento na indústria musical brasileira, dando seu primeiro indício no final dos anos 70, mas que só entrou em ‘falência’ no início dos anos 2000.

Em registros, a primeira grande crise na indústria musical brasileira, no final dos anos 70, fez com que houvesse uma escassez na diversidade musical, ocasionada pelo aumento da seletividade e redução dos artistas produzidos. As consequências desse ‘corte’, incitou a marginalização dos músicos que não se enquadram no novo modelo dos artistas classificados, gerando uma estrutura que privilegia artistas que representassem a elite da época, a fim conquistar esse público, e superar a crise financeira que estavam.

Resultado dessa política administrativa dentro das indústrias, muito influenciada pelo padrão norte americano, foi desenvolvida a então chamada “Música Popular Brasileira“, composta por ritmos nacionais como a Bossa Nova e o Samba-Rock, mas também importando ritmos gringos, como o Soul, Jazz e R&B. Apesar de rica, a musicalidade brasileira se tornou extremamente monótona, que de tão próximas, mal se percebia a diferença entre os ritmos, mas serviu para inserir o Brasil no mapa da música, e tornar “Clube da Esquina“, por exemplo, um trabalho de importância mundial.

Esse contrato imposto pelas grandes gravadoras, criou uma cultura que ditou quais artistas e quais ritmos eram comerciais, até a chegada da cena musical independente, que rompeu com esse paradigma imposto e, começaram a chamar atenção através da originalidade sonora e identidade visual,  que se conectando com seu público, puderam finalmente representar as classes populares, e democratizar o desejo de viver de arte.

Ainda que esse movimento contrário à indústria musical tenha tomado força nos últimos anos, a luta contra ela vem desde o final dos anos 70, mesma época em que se iniciou a grande crise na indústria musical. O autor Gil Nuno Vaz, em seu livro “História da Música Independente” (1988) analisou o termo “independente” através do depoimento de diversos músicos e, chegou a conclusão de que esse tipo de artista, acaba sendo mais dependente do que todos os outros, diante da dificuldade em obter reconhecimento. Nuno Vaz ainda chega a teorizar que a proposta da perspectiva estética da música independente, seria o diferencial da música brasileira.

Gil Nuno também classifica o álbum “Feito em Casa“, de Antônio Adolfo, como o início da música independente no país, que em meio a tentativas frustradas de apresentar seu trabalho para as grandes gravadoras, o compositor e pianista resolveu registrar seu trabalho com o toca fitas que tinha em casa, surgindo a partir daí, o primeiro de muitos trabalhos independentes que a música brasileira viria a receber.

A organização da nova cena independente foi além de divulgar a própria arte na Internet. O reconhecimento através das redes sociais, possibilitou que montassem seus próprios selos/gravadoras/produtoras. Pode-se destacar a 30PRAUM, gravadora criada por Matuê e, que representa hoje, o selo mais relevante para a música brasileira, considerando a lista dos Top 50 Hits Virais do Brasil, uma lista disponibilizada pelo Spotify -serviço de streaming musical mais popular no país-, e atualizada semanalmente, de acordo com o que o público mais ouve.

Segundo a lista, “Vampiro”, de Matuê, WIU e Teto, é a faixa mais popular do país no momento, e se mantém assim há pelo menos um mês, desde qeu a faixa foi lançada. A gravadora volta a aparecer na 4° posição, com a faixa “Fim de semana no Rio”, de Teto. Além da 30PRAUM, outros selos/gravadoras/produtoras independentes têm ganhado uma representação expressiva nos últimos 5 anos.

O Forró, por exemplo, sempre foi classificado como um movimento regional dentro da música e, por isso sofreu com os embargos da fronteira e do preconceito musical, até conseguir finalmente ter sua relevância, ocupando posições de destaque dentro das grandes mídias e, quebrando os estereótipos de “involução musical”. Por esse mesmo caminho se ergueu o Funk e o Hip-Hop.

De certo modo, a forma de consumir músicas hoje em dia, através dos streamings, facilitou o acesso do público a determinados artistas, que não teriam o mesmo espaço, se o desenvolvimento musical do país ainda dependesse do modo de produção engessado das grandes gravadoras. A liberdade trazida pelo modelo independente, contribuiu para que o Funk, por exemplo, pudesse representar se conectar com a maioria dos brasileiros, que compartilham da mesma realidade que é colocada em evidência.

Mais do que música, o movimento independente faz todo o cenário artístico se complementar e, contribui na construção de outras modalidades artísticas que auxiliam seu funcionamento, tal qual companhias independentes de design e audiovisual, o que mais uma vez se reforça como um coletivo, seja dentro do Forró, Funk, Rock ou Hip-Hop.

Referências Bibliográficas:

VICENTE, Eduardo: A Vez dos Independentes(?): Um Olhar Sobre a Produção Musical Independente no País, São Paulo, 2006

Alves. P, Pedro Henrique: De “Feito em Casa a Duas Cidades”: Música Independente e a Pluralidade Cultural Brasileira, Brasil Escola. Disponível em: <https://monografias.brasilescola.uol.com.br/arte-cultura/de-feito-em-casa-a-duas-cidades-musica-independente-e-a-pluralidade-cultura-brasileira.htm>

Guia Negro: “Há privilégio da indústria musical para brancos’, diz Margareth Menezes”, Catraca Livre, 2020. Disponível em: <https://catracalivre.com.br/cidadania/ha-privilegio-da-industria-musical-para-brancos-diz-margareth-menezes/>

ORTEGA, Rodrigo: “Forró cresce no streaming e supera audição de rap e pop nacional, puxado pela pisadinha”, G1, 2020. Disponível em: <https://g1.globo.com/pop-arte/musica/noticia/2020/12/26/forro-cresce-no-streaming-e-supera-audicao-de-rap-e-pop-nacional-puxado-pela-pisadinha.ghtml>

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