Conheça Guiherme Garcia, fotógrafo do rap nacional que chamou a atenção da Netflix Brasil

Escrito por Rodrigo Costa 12/04/2024 às 13:59

Foto: Arquivo Pessoal
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Guilherme Garcia surgiu em comunidade tradicional caiçara e se tornou uma das referências em formação de fotógrafos na Netflix Brasil.

Em expressiva crescente, o cenário artístico passa por diversos debates e críticas direcionadas, principalmente, àqueles que estão em destaque. Nos últimos dias, repercutiu nas redes sociais um vídeo em que o apresentador e ator Marcos Mion questiona ao vivo na TV Globo onde estão os ‘artistas de verdade’.

Um dos nomes a se manifestar foi Guilherme Garcia, artista visual fluminense. Em contato com a nossa equipe do portal RapMais, ele revelou parte de sua relevante trajetória.

A parte inicial da infância de Guilherme aconteceu em Angra dos Reis (município no estado do Rio de Janeiro) ao lado de seus avós numa comunidade tradicional caiçara. Aos 5 anos de idade, diante do nascimento de seu irmão, ele se mudou para Duque de Caxias, na Baixada Fluminense da capital, para morar com seus pais.

WC no Beat para a The Hidden Magazine por Guilherme Garcia

Aos 18 anos, o jovem voltou para a casa dos seus avós para cursar Geografia num campus da Universidade Federal Fluminense na cidade.

O contato do artista com a comunicação e fotografia surgiu simultaneamente com as revistas musicais que sua mãe – com quem tinha muito contato com a cultura durante a adolescência, ouvindo principalmente rock e Música Popular Brasileira – comprava para ter acesso às informações deste meio, devido a falta da internet em casa.

“Demorei a ter internet em casa, então, meu contato com música foi muito orgânico. Comprava muitos CD’s em sebos e passava praticamente todo o intervalo da escola conversando sobre isso e compartilhando músicas por bluethooth com meus colegas”, conta o fotógrado, diretor criativo e comunicador musical.

Na sequência, Guilherme Garcia revela como passou a ter acessar profundamente a área. “Aos 14 anos, conheci um amigo que além de músicas, compartilhava PDF’s de fotografia comigo. Aí, comecei a ter mais contato com a parte técnica”, diz.

Filipe Ret no Lollapalooza Brasil por Guilherme Garcia

Dois anos depois, o carinhosamente também conhecido como Gui passou a explorar as possibilidades de comprar uma câmera para, de fato, começar a praticar fotografia. Devido a limitação financeira, ele entendeu que demoraria até conseguir.

Entretanto, andando um dia na Feira de Caxias, se deparou com um comerciante vendendo uma câmera analógica por R$ 50 reais, comprando, então, a sua primeira máquina.

“Na época, o processo de fotografar desse jeito era muito barato, então fotografei analógico até os 18 anos, quando consegui alguns equipamentos emprestados para fazer meus trabalhos e, depois disso, passei a fazer meu processos todos digitais”, relata o artista.

A partir dos 18 anos – quando também pôde fotografar seus primeiros eventos e conhecer alguns rappers em crescente na cena -, em paralelo com a fotografia, desenvolveu seus trabalhos no jornalismo cultural, com textos sobre música, sociedade e cultura.

Victor Xamã no Festival Batuque por Guilherme Garcia

Neste período, iniciou o curso de licenciatura em Geografia e, por mais que já tivesse a certeza de que queria trabalhar com comunicação e fotografia, carrega o momento com grande carinho pela ajuda ao contato com novas visões mundanas e compreensão de fenômenos sociais numa totalidade, diferenciando sua bagagem profissional.

Ao longo desse processo, integrou alguns veículos fazendo comunicação e fotografia, entre eles; Corre Mídia, RapMais, Genius Brasil, AUR, Flagra Rap e Prêmio Rap Brasil. Diante da experiência adquirida tanto na comunicação quanto na fotografia, passou a criar conteúdos no Tik Tok e reels no Instagram sobre artes visuais na música.

No final do ano passado, teve a oportunidade de se mudar para São Paulo, aceitando de prontidão. “Eu sabia que aqui era o melhor lugar para fazer networking e desenvolver minha carreira na fotografia”, afirma Guilherme.

No início de 2024, ele foi um dos 12 fotógrafos selecionados para uma formação no time de fotografia e audiovisual da Netflix Brasil.

Entrevista

Rodrigo Costa: Você se encontra num momento de procura por trabalhos e, em meio a isso, surgiu essa oportunidade na Netflix. Como enxerga essa oportunidade e importância em sua vida e carreira?

Guilherme Garcia: Ter aprendido fotografia sozinho e do zero me trouxe uma certa carência nesse lado comercial como captar clientes, estar no radar de projetos das produtoras e etc. Por outro lado, sempre tive muita noção do meu potencial e sempre acreditei que na hora que eu estivesse preparado, as coisas aconteceriam de forma natural.

A formação na Netflix aconteceu em um momento extremamente caótico na minha vida, englobando mudança para São Paulo, emprego novo, instabilidade financeira, insegurança profissional… Então, isso me deu um gás absurdo para enfrentar a fase com mais confiança.

Uma virada de chave que essa oportunidade me trouxe foi ver a reação da minha família. Parte não acreditava que a fotografia pudesse ser uma possibilidade de emprego – também por esse contexto da fotografia nunca ter me oferecido estabilidade – e outros nem entendiam direito o que eu faço. Para minha avó, eu só tirava fotos por hobbie.

Então, essa oportunidade serviu tanto pro meu bem-estar profissional, quanto para mostrar pra minha família que tô no caminho certo. E, pra finalizar, nesse processo, também fui colocado como uma referência para outros fotógrafos, e isso pra mim é muito importante, porque no meu inicio de carreira também tive essa carência de referências iguais a mim e que tivessem vindo da mesma realidade que eu.

Tasha & Tracie no Cena 2K por Guilherme Garcia

Rodrigo Costa: Vejo que você busca frequentemente se reinventar e adaptar seus trabalhos às tendências tecnológicas, ampliando e melhorando o contato com o público, além de manter os pilares que você preza. Pode abordar essa busca por estar se atualizando?

Guilherme Garcia: Nesses 6 anos de carreira, percebi que a fotografia não é levada tão a sério como uma ferramenta narrativa na música brasileira. E eu também notei que isso parte de uma falta de conhecimento dessa linguagem.

Então, vi nos meus conhecimentos artísticos e de comunicação uma porta aberta para ensinar essa linguagem pro público e artistas de uma forma mais descontraída. Através dos meus conteúdos no Tik Tok e reels, quero conseguir juntar o ensino dessa linguagem, à valorização do meu trabalho como fotógrafo e diretor criativo, e de outros artistas visuais desse meio.

E a atualização vem disso também. Usar o boom na criação de conteúdo pra transmitir conhecimento e propagar a importância da comunicação visual na música.

Rodrigo Costa: Seu comentário a respeito da recente afirmação viralizada do Marcos Mion foi algo que me despertou muito. Assim que estreou no programa Caldeirão, da TV Globo, ele vinha recebendo inúmeros elogios de pessoas ligadas ao hip-hop devido aos seus tênis OG’s da Nike e Adidas. Agora, faz uma fala infeliz dessa. Acha que deveríamos nos atentar mais àqueles que colocamos em evidência, quando diversos outros nomes, como esses ‘inexistentes’ artistas “de verdade” que ele citou, correm atrás apenas de uma chance para receberem visibilidade? Por final, em sua opinião, esse discurso é ignorância, desconexão da realidade e cultura ou outra coisa?

Guilherme Garcia: Totalmente! Mas colocar o público como responsável pelo hype dele é dar brecha para discursos de que também somos responsáveis por “não destacarmos artistas de verdade”.

Por ter trampado com publicidade e ser comunista, entendo esse rolé mais a fundo, e são poucos os que conseguem superar esse sistema, tá ligado!? Até dentro da nossa bolha rola um privilégio de notoriedade e muitos dos que chegam lá dificilmente lutam pra ter outros iguais a eles ali.

Infelizmente, pra esse discurso mudar, o esforço tem que ser coletivo. E muito do que se vende no meio artístico é ego, e ninguém quer perder poder.

O discurso dele parte da ignorância, desconexão e cultura. Veja bem, como eu falei, a grande mídia não se esforça pra colocar alguém em evidência a menos que essa pessoa vá trazer benefícios pra quem está divulgando, e muito desses talentos saem da cultura de rua, então por mais “antenado” que o Mion seja, é impossível ele ter noção do potencial artístico fora da mídia, simplesmente porque é algo fora da realidade dele.

BK’ no Furdunço, A Festa dos Gigantes (no Viaduto de Madureira) por Guilherme Garcia

Rodrigo Costa: Conte sua percepção do atual momento do cenário audiovisual, passando pelos pontos negativos e positivos.

Guilherme Garcia: Vou falar de Brasil, porque acho que é um cenário mais delicado. Investir nessa carreira é muito sacrificante. É uma área historicamente dominada pelas classes altas, tanto pela formação que você precisa para desenvolver seu trabalho, quanto pelo investimento dos equipamentos, locação, equipe; enfim.

E isso é ruim, porque não democratiza as histórias que podem surgir através desse formato. Mas. de uns tempos pra cá, a produção audiovisual através do celular tem ganhado muita força, e diversos videosclipes de rap foram produzidos dessa forma.

É uma maneira legal de mostrar que audiovisual e a fotografia é um meio de comunicação, então não importa tanto quais ferramentas você vai utilizar, desde que consiga comunicar. Outra coisa legal é que a expansão e reconhecimento do rap no Brasil permitiu que muitos artistas desenvolvessem suas produções audiovisuais.

Os visuais de ICARUS, por exemplo: apesar de ter sido executada por uma grande produtora, é uma mega produção de um artista brasileiro, então de certa forma também colabora pro nosso reconhecimento na nesse meio.

Rodrigo Costa: Qual o caminho você acredita que seja necessário ou ideal para a expansão geral da cena fotográfica?

Guilherme Garcia: Ter mais pessoas falando e fazendo fotografia de uma forma democrática.

Agradecimentos especiais do entrevistado: João Gabriel Coelho, Renan Lucas e Marianna Ferrodri.

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