Álbum “Ladrão” de Djonga pode ser interpretado com um livro

Escrito por Fellipe Santos 13/04/2019 às 17:54

Foto: Divulgação

Eu gosto de entender o disco como um livro, então cada faixa representa um capítulo de uma história que esta sendo narrada. Hoje vamos falar do Djonga o menino que depois de cometer tanta heresia, transformou-se e conseguiu se tornar Deus. Após essa etapa, ele não se contentou. Desceu mais uma vez da santidade para o plano terreno, porque precisava fazer um chamado!

Como parecido com a série estourada “La casa de Papel”, se mostrou como um exímio professor e arquitetou o roubo mais bem elaborado. Djonga vem em forma de ladrão e veio tomar tudo que era nosso, de volta. Todo espaço que se foi negado, será nosso, de novo.

Djonga em seu mais novo cd “Ladrão”, já deixa bem explicito qual a principal tese explorada ao longo de suas faixas, que é justamente combater o esteriótipo de marginal que foi formulado pela sociedade. Porém não é só isso, Djonga vai além e busca levantar uma sub-tese por trás de suas melodias acompanhadas dos marcantes refrões. Suas letras giram em torno do objetivo principal que é salvar o potencial bandido e proporcionar uma nova vida. Parece que faz um chamado para todos is irmãos que estão vivendo em uma condição degradante. Repare, por meio desses fragmentos extraídos de algumas canções, que ele toca muito no eixo de resgatar nossa auto estima e o amor por quem nós somos. Isso não é por acaso, ele compreende que todo o genocídio negro, passa por trás de algumas situações corriqueiras. Como por exemplo, o desprezo pela própria vida, falta de ambições maiores, orgulho da própria pele e da história que carrega. Assim, “Deus” mais uma vez explica o porque desse vulgo “Djonga”. Ele quer salvar as nossas vidas. Ele sabe que nós valemos mais! Sejamos mais! Não vá se perder! Eles querem isso!

HAT TRICK – 3 anos, 3 grandes obras.

Uma das faixas com mais visualizações do álbum e uma das minhas preferidas. Ela é agressiva na medida exata e a letra é extremamente provocante. O título já é bem sugestivo, pois demonstra uma linha de continuidade entre seus 3 discos = 3 gols. Hat trick!

Da terra onde nada vira
Um mano do nada vira a maior referência de um jogo
Onde saber quem joga mais vale mais do que pôr comida no prato

Dinheiro é bom, melhor ainda é se orgulhar de como tu conquistou ele

Djonga deixa claro nesses primeiros versos, pontos cruciais e necessários. Primeiro, Belo Horizonte não faz parte do cenário clássico do rap. Logo, ele conseguiu vir do “nada” e transforma-se em uma das referências, tanto pro rap, quanto para os da sua quebrada. E ele conseguiu essa ascensão da forma mais honesta, por meio da música. Por isso se orgulha tanto da forma que conquistou este espaço.

Aquelas coisas, né, o que se aprende no caminho, importa mais do que a chegada
Isso te faz seguir real, igual um filme de terror na direção de Jordan Peele

Aquelas coisa, né, quem vai com muita sede ao pote, tá sempre queimando largada

Porém, ele tem noção da importância do seu lugar de fala até chegar, onde chegou, percorreu um caminho muito difícil e complicado. Todas essas vivências proporcionaram grandes aprendizados e estimulou ele sempre a dar o seu melhor, na mais alta intensidade. Por isso, essa sacada dele foi muito inteligente. Qual é o filme de terro que foi dirigido por Jordan Peele? GET OUT, CORRA!!

É pra nós ter autonomia
Não compre corrente, abra um negócio
Parece que eu tô tirando, mas na real tô te chamando pra ser sócio

Pensa bem
Tira seus irmão da lama
Sua coroa larga o trampo
Ou tu vai ser mais um preto?
Que passou a vida em branco

Djonga, nessa última parte faz um clamado. Ele quer modificar o nosso espaço É para sairmos do cargo de empregado para virarmos donos! Parem de mostrar um falso poder aquisitivo por meio de luxos supérfluos (não compre corrente, abra um negócio). ele não está fazendo uma crítica vazia a essa característica dos jovens atualmente, mas sim estimulando a um pensamento maior! Possibilidade de mudar tanto a sua vida, como de toda a sua família e dos amigos. Ele está nos convocando para pensarmos grande. Pensarmos alto! Fugir dessa lógica materialista que acaba aprisionando ainda mais o preto.

BENÉ – Não vá se perder!

Bené era o bandido mais amado da CDD. O cara era gente fina e falava com todos, querido por muitos e foi morto numa confusão aleatória. Aleatória? Nessa vida que vivemos, existem diversas armadilhas que levam só para um fim. É disso que a música fala.

Eu vou à luta, Elis, porra, viver é melhor que sonhar
Bora andar, ei
Homens maus destroem perspectivas
Perplexo só fica quem crê em conto de fadas
No país onde a facada que não aleija, elege
Atira em mim que eu mudo tudo, e conversa encerrada

“Viver é melhor que sonhar” foi uma música de sucesso de Elis Regina, então é interessante a relação que ele faz. Primeiro, fazendo uma referência a cantora e a essa máxima. Viver á a única opção que resta para nós, afinal homens maus destruíram a possibilidade de sonhar de uma grande parcela marginalizada da sociedade.

Assim, logo em seguida, fica explícito a crítica política a respeito das eleições presidenciais de 2018. Uma facada acabou ajudando a eleger um presidente. Enquanto, se fosse com ele, um homem preto, com certeza não teria a mesma sorte. Nossos corpos são descartáveis, assim, tiros são disparados corriqueiramente sobre nossos corpos e é isso. Conversa encerrada. Ninguém liga.

Passar os quilo não te deixa mais leve, pesa a alma
Mano, eu conheço esse caminho igual minha própria palma
Falar em palma, na sua mão vai ser só dinheiro sujo
É que quem lucra é o capitão, vai com calma, marujo

Tráfico de drogas, como se sabe, é o caminho que é seguido pela maioria da população negra, jovem e de contexto de pobreza. Mas, é um caminho sujo, vazio e o final desse filme, todos já sabem. Por isso, ele enfatiza que por mais que consiga desfrutar rapidamente do dinheiro vindo do tráfico, a origem do mesmo, só servirá para enfraquecer sua alma, estragar a sua vida e de proveitoso, essa grana não irá te trazer nada. Na verdade, apenas irá assombrar a sua vida e encurtar a sua história. Até mesmo porque no final, quem lucra é o sistema – o capitão-, você será apenas mais um soldado – marujo -.

Pá pum uh ah
Aqui não tem quem vive muito igual Mun-Rá
Se o beco é Faixa de Gaza, aguenta o boom, tá?
O que tem mais: Notas ou corpos pra contar?
Maior é Deus, né, ei

“Aqui não tem quem vive muito”. Nessa parte, Djonga relata mais uma vez uma característica forte de lugares periféricos. Primeiro falou sobre o desprezo social da condição do negro, depois sobre a entrada do mesmo no tráfico de drogas e agora relata o fim dessa história. Justamente, sobre a nossa baixa expectativa de vida, por conta de todos esses fenômenos já mencionados. Por isso ele frisa tanto “Não vai se perder irmão”. A caminhada é cheia de falsos atalhos, mas não vai se perder.

LEAL – Amor vira lata

Como toda boa história, tem drama, tem tragédia e também tem amor. Djonga expõe o amor e a insegurança do homem negro e como que a sua vida conturbada acaba atrapalhando a profundidade de seus relacionamentos.

E olhou assim, como quem diz: Ó, dá a pata
Mas coleira em pitbull, garota, é sacanagem
E se tu vem pro meu canil, saca, nós se acasala
Me disse que tem pedigree, mas me morde e me arranha
Impossível de adestrar esse amor vira lata
Vai ser nós contra o mundo sempre
Contra toda caretice de mãos dadas

Djonga, versos antes dessa parte, faz menção aos Racionais. Compara a sua relação amorosa, ao seu estilo de vida “Estilo Cachorro”. Fazemos parte, obviamente, de uma sociedade estruturalmente machista, mas o interessante dessa música, é os personagens que estão ocupando os papéis. Em uma lógica comum, o homem tem que comprovar sempre a sua virilidade e se impor ao corpo feminino. Mas no casso dessa letra, quem é o sujeito da ação? “E olhou assim como quem diz, ó, dá a pata?” Quem está no controle da ação e da relação ao botar “coleira em pitbull?”

É interessante porque ele propõe uma inversão de papéis, assim indiretamente desafia as nossas engessadas normas sociais. Demonstra o forte posicionamento feminino e que não cabe mais nos tempos atuais, vivermos com pensamentos tão conservadores. Pensamentos tão caretas.

Minha Queen Latifah, o trono é seu, se lembre
Tá na pele que Katy Perry não se compara
Fato que a vida que eu levo me consome
E é claro que eu sinto saudades
Meu som molha elas, procura é alta e eu me envolvo pouco
E você disse que não vê maldade

Essa parte, particularmente, achei MUITO boa. Talvez passe despercebido pela maioria por conta dessa sutileza. Novamente, Djonga tenta quebrar mais um paradigma. Ele se declara para sua namorada e a chama de Queen Latifah, afirmando que Katy Perry nem se compara. Essa metáfora que foi utilizada, demonstra uma modificação no padrão de beleza cristalizado, o qual enaltece a beleza branca em detrimento da inferioridade proposta as mulheres negras. Isso é muito importante. Isso fala muito sobre REPRESENTATIVIDADE.

Logo depois, continua narrando sua love song, mostrando a sua sensibilidade, seu lado mais delicado que envolve os sentimentos e a vida conturbada que o consome. Porém, seu caso é tão LEAL que nada desses empecilhos (vida corrida, mulheres dando mole, pessoas interesseiras…) é capaz de abalar as estruturas do seu amor.

DEUS E O DIABO NA TERRA DO SOL – Nada mudou, nem eu e nem o mundo.

Faixa mais longa do álbum, 6 min e 37 seg. Título faz alusão a famosa novela da década de 60. Djonga deixa claro que teve uma evolução social, mas nós continuamos sendo mortos. O mundo ainda é racista.

Eu continuo inovando
Artista revelação de todo ano
Sempre que abro minha boca eu faço história
Não pagam pelo show e sim pelo o que eu represento
Cê me entende, mano?
Dispenso fama, like, e o que vem com poder do mic
Relações tão sinceras quanto a existência do Mickey

O que me chamou mais atenção nesse verso, foi uma outra faceta que é apresentada quando ele diz “Não pagam pelo show, e sim pelo que represento.”, Djonga está descendo do pessoal e particular, admitindo mesmo até possíveis falhas e imperfeições. Mas, isso tudo gira em torno de uma órbita maior, o seu sucesso é reflexo do público para qual ele canta e que ele representa. Ele dá voz para um povo que sempre tentou-se e tenta-se ser SILENCIADO. Assim, em prol desse objetivo, ele dispensa os efeitos colaterais que fazem parte dessa vida, como glamour, fama, mulheres… ele sabe que isso tudo é vazio e soa com tons de falsidade.

Agora me surgem garotas, tipo a Miley
Que antes tinham nojo, driblo igual Piquet, tô no pique
O Brasil que eu quero é o Brasil coqueiro
Praia, ganja e a família bem, sonho de vagabundo

Dessa forma, percebe-se que Djonga enfatiza, justamente, esses desdobramentos que fazem parte da vida de uma pessoa que sai do nada e consegue vislumbrar uma acensão social. Isso tem seu peso, sem sombra de dúvidas. Se no passado, ele como tantas outras moleques, da mesma condição, eram desprestigiados e até mesmo humilhados. Hoje o que mais tem, são os mesmos rostos que um dia zombaram de sua cara, querendo surfar as curtas do que você se tornou. Presta atenção que ele não faz a metáfora com a Milley Cyrus por coincidência. Ele quer enfatizar qual era o biotipo das pessoas que sentiam nojo e agora querem se aproximar.

 

TIPO – Meu medo é ser mais um cara que morre lutando

Segunda faixa romântica do disco, mas conta uma outra vertente. Djonga fala sobre medo, solidão e angústia que o acompanha. Mas, esse é o tipo de vida que o carrega, tem a sua glória e o seu fardo.

Meu medo é ser mais um cara
Que morre lutando pra virar blusa de boy, naipe Che Guevara
Minha vida é essa, eu tô só te explicando
Me deixa entrar e me ajuda a curar ou fecha a porta na minha cara

Interessante destacar que mais uma vez, Djonga mostra seu lado interior e quebra um paradigma, evidenciando seus pensamentos e suas agonias. Ele afirma que o maior medo dele é ser mais um cara preto que morre lutando por um ideal. Ele acaba comparando citando o revolucionário Che Guevara, mas também poderíamos falar sobre Malcom X, Martin Luther King… e ele tem noção que isso realmente pode acontecer. Logo, essa vida conturbada também tem um outro lado. Tem sua solidão, sua insegurança, e ele compartilha isso com seu suposto amor. Ele não só assume seu medo, abre o jogo e manda a verdade de como é a sua vida e ainda pede ajuda para ser curado. Assim, por ter essa vida tão eloquente, provavelmente, já deve ter tido diversas frustrações amorosas, então entra e caminha junto, ou fecha logo a porta e vai embora.

Tudo pra ser seu sonho bom, seu herói
Aquele que mata seu maior pesadelo
Aquele amor que quando cê vem, te faz querer ficar
Que em um toque te arrepia o pelo

Assim, ao mesmo tempo que em um primeiro momento, o destaque maior é dele pedindo ajuda e um companheirismo, Djonga enfatiza seu lado romântico, dizendo que ele é a personificação do seu herói. Mas, dessa vez o seu herói, tem a mesma cor que você e luta contra o sistema que te oprime da mesma forma. Ele vem para bater no seu maior pesadelo, porque também é o maior pesadelo dele. Essa relação horizontal é importante, porque acaba colocando tanto Djonga, quanto sua companheira e os demais que escutam, no mesmo plano, aproximando todos da mesma realidade. Desse modo, a relação que possui não é só mais um caso banal, é tão diferente dos demais amores rápidos e vazios que acumulamos. É algo tão forte que te arrepia, te faz querer ficar e impedir sempre dela ir embora.

E te deixa pela ordem, os pela ontem perguntaram
Se o que nós tinha era sério
Os cara acha que sério é se prender
Ao invés de curtir um momento sincero e eterno
Eu acho que tô te querendo pra sempre
Meu pra sempre é o agora, me contento com isso
Vamos fazer amor selvagem, sou leal e leão
Entre nós sexo é compromisso

Talvez nessa última parte Djonga esteja dialogando ao mesmo tempo com três pessoas. Seu amor, a suposta pessoa que levantou essa pergunta, mas também ele mesmo. Afinal, se você for analisar, ele desenvolve a sua história falando que o que importa para ele é curtir o agora, o atual momento. Logo você fica subentendido que o futuro com ela ou com qualquer outra relação é uma incerteza, não tem como prever o que acontecerá daqui a certo tempo. Então, foi muito inteligente da parte dele, porque intrinsecamente faz uma crítica a muitos relacionamentos modernos, os quais possuem vínculos fidelizados. Entretanto, não são reais com seus pensamentos, seus sentimentos e muito menos o do seu próximo. Assim, em contra partida, ele sempre restá preservando a sinceridade e a lealdade.

Acaba sendo proposto uma mistura de sentimentos complexos que dá o tom da intensidade de suas emoções. Eu acho que to te querendo pra SEMPRE mas, meu pra SEMPRE, é AGORA” Ele não quer a eternidade, mas quer que seja eterno enquanto dure! Isso é o mais importante e por mais que hoje em dia, tenha uma banalização do sexo, ele foge dessa lógica e assume que sim, é compromisso para ambos.

LADRÃO – Anti-herói

Créditos @carlosfmf

Faixa que dá origem ao nome do álbum. Djonga é brilhante a inverter os engessados esteriótipos. Ele convoca a todos a tomarem de volta o que nos foi roubado, mas através da arte. Usa o microfone como sua principal arma e a munição é a sua palavra!

Você piscou eu já tô no terceiro
Tem gente que nem entendeu o primeiro inteiro
Arte é pra incomodar, causar indigestão
Antes de tu engolir, te trago um prato cheio

Achei necessário fazer um pequeno recorte e acrescentar essa parte na minha análise, pois podemos assimilar muitas coisas. “Ladrão” é o terceiro álbum lançado em três anos e realmente o público no geral ainda não destrinchou tudo que ele disse, tanto no “Heresia” e também no “O Menino Que Queria Ser Deus” Porque a música é isso, o RAP é isso. É um estilo musical que tem por finalidade levantar mais perguntas, mais questionamentos, do que respostas e afirmações. Arte é pra incomodar! É para causar indigestão! É para provocar, ironizar, problematizar, perturbar… sua finalidade está implícita na provocação que tem como objetivo, tirar seu pensamento do comodismo ou da zona de conforto. E com certeza, podemos afirmar que Djonga está fazendo isso de forma magistral! Trouxe um prato cheio e diverso.

Dei voadora na cultura branca, corda no pescoço
Eles passam e eu rasgo o pano
Não sou querido entre a nata de apropriadores culturais, ó que onda!

Assim, o maior exemplo que temos da dificuldade e demora natural do público para compreender todas as técnicas e expressões artísticas, foi justamente isso. As pessoas riram, acharam legal, mas não entenderam qual era a mensagem por trás da cena do Djonga chegando de voadora no clipe do seu hit “A Música da Mãe”. Foi necessário que agora, passado o tempo, explicasse de forma explícita, a metáfora presente por trás daquela imagem. Assim, é de conhecimento geral que em suas músicas, bate-se muito na tecla do seu posicionamento a respeito da forma que enxerga e olha para os brancos. Nem todos conseguem interpretar o que ele propõe justamente o tratamento de valorização e auto afirmação da cultura negra. Consequentemente, isso carrega tocar em diversos pontos centrais, como exemplo o rap – estilo musical preto – e que passou por muita modificação de biotipo. Refletindo diretamente no embranquecimento de MC’s.

É que pra cada discurso que eles fazem é uma vida salva pelo Djonga
Se eu me tornei herói, imagine o que foi pra mim, frustração
Máquina, máquina de fazer rap bom
Aquelas rima que você queria ter escrito
Mas, na real, sou valente pra caralho
E digo coisas que você nunca teria coragem de ter dito

Djonga associa-se corriqueiramente a Deus. Uns interpretam como piada, outros com presunção, mas poucos entendem o porque dele se auto-intitular como Deus. Essa parte da música, explicita bem o motivo dele se chamar assim, não por questão de puro ego. Ele sabe o poder que tem na vida de muitos jovens que se espelham em seu trabalho. Cada trabalho lançado por ele ou por qualquer outro artista de renome nacional, causa um puta impacto na formação intelectual de gerações. A música quando feita de forma verdadeira tem a força de modificar visões e pensamentos de qualquer um, assim estimular aos jovens também e mostrar um outro estilo de vida.

Por isso que nessa parte, ele faz menção novamente aos Racionais, que tem uma famosa música, o qual o trecho brilhantemente diz “Você sabe o que é frustração, máquina de fazer vilão”. A frustração causada por uma sociedade, a qual desenvolveu-se por meio de relação desiguais, aonde o menor da favela não se sente pertencente a esse mesmo mundo, causa justamente esse sentimento de raiva que junto com outras circunstâncias, fomenta a entrada pra criminalidade. Djonga, propõe um caminho contrário, ao invés de tornar-se vilão, ele chama a todos para pegar essa raiva e transformar em arte música, em RAP!

BENÇA – Esse disco é sobre resgate

Impossível não se emocionar com essa faixa que fala sobre suas origens e não se identificar ao longo da música. Origem essa que é igual a da grande maioria que tem como principal suporte, uma figura feminina. Fala sobre o viés da ancestralidade.

Vó, como cê conseguiu criar 3 mulheres sozinha
Na época que mulher não valia nada?
Menina na cidade grande, no susto viúva
E daquela cor que só serve pra ser abusada
Você não costurou só roupa, né
Teve que costurar um mundo
De trauma, abdicação, luta

Não tenho o objetivo de me estender muito nessa música, afinal Djonga foi brilhante. Faz menção inicial a história de sua avó que criou sua mãe e suas tias sozinhas, em uma cidade grande, em um contexto profundamento mais complexo e mesmo com todas essas dificuldades, conseguiu alcançar seu objetivo. Acho interessante, a forma que diversas figuras femininas, estiveram presentes ao longo da vida do Djonga e ele deixa isso bem claro em suas composições.

Mais uma vez, ratificando a hierarquização social extrema, a qual acaba colocando na base dessa piramide, ou seja, em um último lugar, o sofrimento da mulher negra. A questão étnica, sem sombra de dúvidas, faz um pesar no olhar muto mais árduo. A vó do Djonga, como sua mãe, como a minha mãe, como milhares de mulheres que temos pelo Brasil, já sofre com o fato de viver em um sistema patriarcal. Entretanto, elas possuem, além da questão de gênero, a questão racial também. Assim, seus corpos são subvalorizados, inferiorizados e completamente vulneráveis. Assim, tornando-se alvos principais de atos de violência e abuso sexual.

Pra hoje falar com orgulho
Que essa família não tem vagabundo
Aprendi no seu colo
Tenha medo de quem tá vivo e respeito por quem tá morto
Ouvindo desde novo: Cê já é preto
Num sai desse jeito, se não eles te olha torto

Isso é ancestralidade, isso que o Djonga está relatando é o conceito maior de família. Entender você não apenas como um individuo, mas sim entendermos a continuidade dos nossos laços familiares. Com isso, assimilar também a responsabilidade que carregamos por conta de seu sobrenome. Djonga narra a história de sua avó, de sua mãe, de seu pai e assim vai passando pelos parentes e tendo a dimensão das inúmeras barreiras que tiveram que passar, para que ele hoje tenha a possibilidade de almejar coisas maiores. Ser responsável pela criação de uma pessoa já é extremamente difícil. Dessa forma, ser o eixo principal de toda uma família é algo muito forte e é esse o papel de uma avó que está sendo contada ao longo da letra. Pelo contato com ela, transmite costumes e práticas tradicionais e assim vai se perpetuando um conhecimento vivo. O que ela já viveu, já presenciou e já sofreu na pele, serve de lição e aprendizado para todos os demais. Irmão, jamais duvide do conhecimento e da inteligência de seus parentes mais velhos. Eles já estão nesse mundo há MUITO mais tempo que nós. Isso é importante destacar, mas o Djonga já deixa isso claro.

VOZ – vivos, surpreendentemente vivos.

O título da música é bem inteligente. Djonga discorre a letra a respeito do genocídio que tem contra a população negra e o fato dele estar vivo e representando uma multidão é atípico. Ele está dando voz a vários que foram silenciados.

De acordo com as pesquisas, era pra esse som ser só o beat
Mas parece que eu não morro
Parece que pouparam minha vida pra contar história de morro

Obviamente todos os assuntos levantados em suas música,s estão diretamente relacionados com a questão racial. Djonga falou de amor negro, solidão e dúvidas que também sofremos, ascensão e queda na vida do crime, entre outras questões. Assim, nessa composição ele explicita mais uma faceta dessa sociedade racista, que o genocídio praticado contra a população negra e que não assusta ninguém. Por isso, ele foi genial em afirmar em “Deus e o Diabo na terra do sol” que nada mudou, o nosso mundo continua sendo o mesmo. Corpos negros são silenciados diariamente e a sociedade no geral já enxerga de forma natural.

Aprende a pensar e reproduzir que o cara com certeza deve ter feito algo. “É preto porra, não pode ser inocente”. Assim Djonga, Doug Now, e o Chris falam por aqueles que não possuem voz atica. Pouparam a vida deles por algum propósito e agora vocês vão ter que ouvir.

Nem sei como eu tô aqui, maldição ou bênção
Vendo os que se vão, eu sou dos que ficam e pensam
Por que não eu? Por que nunca me deram tiro?
Onde vários vão de ralo, nem sei se deram motivo

Benção para nós e maldição para eles. Com certeza, a representatividade, palavra que está tão em voga atualmente, é uma das maiores forças que tem de transformação social. Você olhar par um cara de destaque e sentir-se representado, sentir que ele se parece com você, tem seus traços, sua cor, seu cabelo é algo grandioso para a auto-estima de todos nós. Você sente que tu pode e sabe que está sendo muito bem representado.
Esse fragmento é interessante porque expressa o pensamento de muitos que cresceram em um meio violento, que perderam seus amigos de infância, que conviveram com situações de impotência, perguntaram-se “Porque não eu?” Por que resolveram poupar logo a minha vida? Irmão, se tu ainda tá aqui, faça valer a tua vida pelos que não estão mais presentes. É disso que a música fala. Faça valer a tua voz.

Mas Djonga não gosta de branco
O bang não é apenas cor, interpretem
Parece que ainda estão no ano lírico
Pela cor cê só não sente o que eu sinto
Mas pela boca e pelos atitudes, branco é seu estado de espírito

Sinceramente pra mim essa parte é a mais inteligente de todo o álbum “Ladrão. A habilidade que ele teve de tocar em um assunto tão complexo e profundo que é discutir o racismo estrutural, foi surreal. As pessoas não entendem o ódio que o Djonga deixa explicito em suas letras aos brancos. Ele não tem raiva de você branco que está lendo e escuta as músicas de Deus. Ele não tem esse ódio direcionado ao indivíduo. O que ele tanto enfatiza é o macro, é a compreensão que vivemos numa sociedade de castas, onde você homem branco desenvolveu seus privilégios em cima da subalternidade imposta aos homens negros.

A sua luta e reivindicação é entender que o racismo que presenciamos em um ato explícito, nada mais é do que um projeto elaborado pelo homem europeu branco, para afirmar a sua superioridade em detrimento da imposição de inferioridade de outros povos. Assim, o racismo está presente no seu estado de espírito! O racismo pela nossa sociedade. Via pra rua e me diz qual é a cor dos moradores de rua? Qual é a cor da população carcerária? Qual é a cor da equipe de limpeza do lugar que você trabalha? Montou-se a sociedade e não nos chamaram pra fazer parte. Nós somos o filho feio e órfão que vocês criaram. Quem é que vai assumir a paternidade?

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Djonga ao longo do álbum bate muito na tecla de saber respeitar as suas raízes. RAP foi por muito tempo discriminado e agora vem sendo aceito socialmente por conta de todo um embranquecimento de mcs. Tem que respeitar as origens pretas desse segmento musical!

FALCÃO – Vamos mudar o mundo baby

Ultima faixa desse excepcional álbum e finaliza sua história com uma convocação. Djonga chama a todos para mudar o mundo. Modificar nosso espaço na sociedade e almejar coisas melhores, mas sem esquecer de sempre olhar p trás. Suas origens.

Eu sigo naquela fé
Que talvez não mova montanhas
Mas arrasta multidões e esvazia camburões
Preenche salas de aula e corações vazios

Djonga, mineiro, 24 anos. Agora vocês entenderam por que ele é Deus? Jesus segundo os ensinamentos bíblicos, deu a sua vida para nos salvar e por isso foi morto e crucificado. Djonga não pretende desmerecer essa figura religiosa, mas o seu propósito não é falho e nem vazio. Por meio da música, ele está buscando a luta por toda a nossa cultura, por toda nossa ancestralidade e por todo nosso povo. Chega, basta! Já escorreu sangue negro demais, sabemos que os falsos atalhos aparecem de forma natural, mas ele enfatiza em nos mostrar por meio de rimas e melodia, a seguir outro caminho. Por meio do RAP, ele provoca e estimula a modificar o nosso papel na sociedade. Está trazendo de volta a auto-estima e sempre pensar que podemos mais. Milagre dele é fazer o moleque não pegar em arma e sim, abrir um livro. Não entrar pra boca, mas sim criar teu próprio negócio.

Será que eu sou só mais um negro fútil?
Já que pra salvar o mundo essas corrente é nada útil
Mas não posso ficar sozinho que bate a neurose
O sábio sobre a saúde do mundo diz que é só virose
O que adianta eu preto rico aqui em Belo Horizonte
Se meus iguais não podem ter o mesmo acesso à fonte?

Importante jamais perder o foco que, por mais que ele tenha toda a notoriedade que está conseguido conquistar, ele não deixa de ser mais moloque de 24 anos, assim como nós. Constantemente, passamos por situações que nos fazem refletir sobre nós mesmos. Constantemente, passamos por situações que nos fazem refletir sobre nós mesmos. Olhar para o nosso redor e ver tamanha desigualdade, é de entristecer e de deixar qualquer mente atordoada. Ele tem suas dúvidas, inclusive sobre si mesmo e em momento de solidão elas vêm muito mais forte.

Além disso, a responsabilidade que ele trouxe para si mesmo, é enorme. A pressão que carrega vem como o fardo dessa luta escolhida e que está apenas no começo. Não se tem uma resposta simples e única para todas essas demandas, são coisas que estão além da sua alçada, fogem do seu controle.

Olho corpos negros no chão, me sinto olhando o espelho
Corpos negros no trono, me sinto olhando o espelho
Olho corpos negros no chão, me sinto olhando o espelho
Que corpos negros nunca mais se manchem de vermelho

Assim como que hoje em dia, ele pode afirmar que está começando a desfrutar de uma situação financeira, jamais imaginada. Ver um preto na vida, novo e bem sucedido é de se comemorar para CARALHO! Mas, jamais perca sua essência, falar da exceção só enfatiza mais a regra. O que adianta ele rico em BH, se na mesma cidade tem um exército de irmãos passando fome, portando uma arma e não tendo nenhum amor pela própria vida. Essa é a situação contraditória a qual ele se encontra. Isso com certeza pesa a alma, desperta inveja, inicia-se críticas vazias e despretensiosas. A nossa dor não comove, mas o nosso “Sucesso” incomoda!

 

O DEDO

Acho que era necessário fazer esse destaque. Esse poema proclamado por Djonga no final da música Hat trick é indescritível. Somente leiam! Não tenho o conhecimento se é de autoria do Djonga mesmo ou não, mas esse cara não é chamado de Deus atoa. Genial!

 

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