Enfrentando o sangue no Hip Hop

Escrito por Vinicius Prado 27/03/2018 às 11:25

Foto: Divulgação

O rap surgiu dividindo espaço com a cena punk, que também começava a crescer em São Paulo, por volta de 1980. O som não era aceito justamente por relatar o cotidiano periférico. Era música violenta. Sem massagem. Como aceitar como talento uma poesia que denunciava a violência policial, a repressão e a pobreza? Lembrando que nessa época era recente o “fim” da ditadura militar no país. Uma das maiores contribuições do rap foi mostrar que a ditadura militar não havia de fato acabado, ela continua viva, mas agora travestida de democracia. Uma democracia que tortura, reprime, e que traz consigo resquícios da ditadura e de um passado ainda não resolvido no Brasil.

Não é à toa que boa parte dos raps narram a violência policial dentro das favelas e combatem os abusos de autoridade que são na verdade a continuidade do que aconteceu durante a ditadura. Na noite do último domingo (25) morreram mais 5 jovens negros. Todos inocentes. Alguns deles, inclusive, faziam parte de rodas de cultura e cantavam rap. A principal suspeita? A letra pode ter desagradado alguém.

As grandes mídias dizem que quem matou foi a milícia, que o som dos meninos incomodou… 40 anos depois do início de tudo e a frase do Racionais continua atual: a gente reza, foge, e continuam sempre os mesmos problemas.

A cultura sempre foi uma ameaça para qualquer sistema de governo baseado em opressão. Se considerarmos a proporção da desigualdade social e econômica que estamos assistindo atualmente no Brasil, é fácil entender porque o Governo vai repreender sempre todo e qualquer movimento cultural que surgir. Tempos difíceis. O Brasil nunca se livrou da sombra e dos vestígios da ditadura. Durante essa época, a repressão à produção cultural perseguia qualquer ideia que fosse interpretada como contrária aos militares, mesmo que não tivesse conteúdo diretamente político. Mais atual do que pensamos. A censura só foi se moldando, de forma tão sutil que é preciso ser corajoso para enxergar e contestar.

Não há entre nós ninguém ingênuo o bastante para não saber que a militância do rap (essa que vem pensando, se repensando e agindo diretamente com tanta desenvoltura), é tão vigiada, mapeada, grampeada quanto os caras que a “justiça do estado de direito democrático burguês” prende e solta, prende e solta a toda hora. Não dá para esperar que a “milícia” (como afirmam as grandes mídias) bata o pé na porta do primeiro barraco para depois sair correndo atrás do “caveirão” com um habeas corpus nas mãos.

Tão importante quanto a defesa dos direitos humanos dos moradores de favela é a defesa do direito de ser defensor dos direitos humanos e militante político favelado sem que seja despolitizado, criminalizado e preso ou morto por isso.

“Porque somos pacatos pensam que somos covardes
Porque somos humildes pensam que somos submissos
Porque somos calados pensam que aceitamos sem reagir que espanquem, torturem, humilhem e chacinem nossos meninos
Porque rosnam e babam feito pitbull pensam que nos paralisam de medo nos botando terror
Porque amamos a paz pensam que tememos a guerra e fazem de nossa comunidade um campo de concentração
Pensam que ficarão impunes seus crimes perversos contra nossa favela
Porque trazemos os braços abertos e as mãos vazias e limpas pensam que não temos armas pra lutar em nossa legítima defesa
Maior que seu ódio e crueldade é nosso amor pela justiça e pela verdade
Eu que não desprezo o valor de outras armas, escolhi o poema, o funk, o hip hop e o samba”
[…]

Poema de Deley de Acari.

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