Mano Brown: “Rap virou de direita, religioso e moralista”

Escrito por Vinicius Prado 03/02/2018 às 12:49

Foto: Divulgação
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Rapper deu uma dura entrevista onde abordou diversos assuntos e mostrou magoas.

O rapper Mano Brown irá performar nesse final de semana no Planeta Atlântida em Santa Catarina, o rapper é um dos convidados que tem no line-up nomes como Anitta e Pablo Vitar.

Com o Racionais Mc’s  o rapper ganhou o Brasil mostrando a dura realidade das periferias e das favelas com discos como Nada Com Um Dia Após O Outro Dia e Sobrevivendo No Inferno ele ganhou uma legião de fãs e também de haters.

Em 2018 o grupo que surgiu em 1988 completa 30 anos e uma entrevista para GáuchaZH com o Rafael Balsemão, o rapper de São Paulo não está se mostrando otimista em uma dura entrevista onde abordou diversos assuntos onde até mesmo disse que está de luto.

Os Racionais completam 30 anos em 2018. Como é olhar para trás e pensar na história do grupo?

Racionais MC’s não é mais algo meu. Vejo a banda como uma coisa que ajudei a criar, mas que bateu asas e voou. É como um filho que você cria para o mundo: não é mais seu. A gente não tem mais direito de escolher a roupa que quer, a batida que quer, não pode mais falar o que quer. Quando os Racionais surgiram, lutávamos para ter liberdade para falar, para ter espaços que não tínhamos. Passaram-se 30 anos. E alguns fãs da banda se tornaram conservadores. Muitos, hoje, são de direita. Nossos pensamentos já não batem mais. Não sou contra gay, contra punk, contra candomblé, como pessoas que eram fãs da banda demonstram ser. Os Racionais foram criados por quatro garotos que tentavam sobreviver, que não tinham ideia de como era o mundo. Só sabíamos o que era a favela. Muita coisa mudou, e hoje eu questiono a importância dos Racionais num mundo desses. Aqueles ideais que o povo defendia, o povo esqueceu. Com aquele discurso que tínhamos em 1990, hoje, os Racionais seriam engolidos pela periferia. Seriam rejeitados. Porque, depois de dois governos Lula e de um governo Dilma, mudou a mentalidade da periferia. Não tem como desvincular os Racionais da política, a banda sempre foi atrelada ao momento político do país. E qual é o momento político do país agora? A periferia passou a ser de direita. O rap virou algo de direita, conservador. Aquele rap da época dos Racionais, hoje, é um rap religioso, moralista, que não conversa com a revolução que precisa ser feita atualmente.

Em outro trecho da entrevista, Brown disse que os fãs não merecem um novo álbum do Racionais.

Veja abaixo alguns trechos importantes da entrevista.

Sobre críticas ao seu álbum solo Boogie Naipe

O momento é de radicalismo político. Na internet, você pode ser um assassino com as palavras sem ser penalizado por nada. Você pode destilar o seu ódio. Essas músicas novas, antes do lançamento do disco, estavam sofrendo ataques, como se nada mais que eu fizesse fosse relevante, por causa dos Racionais. Mas, depois que o disco saiu, as pessoas ligadas à música, não só à política, foram muito maiores, mais numerosas do que os críticos. Então, posso dizer que o disco foi um sucesso.

Sobre 30 anos de Racionais e história do grupo

Racionais MC’s não é mais algo meu. Vejo a banda como uma coisa que ajudei a criar, mas que bateu asas e voou. É como um filho que você cria para o mundo: não é mais seu. A gente não tem mais direito de escolher a roupa que quer, a batida que quer, não pode mais falar o que quer. Quando os Racionais surgiram, lutávamos para ter liberdade para falar, para ter espaços que não tínhamos. Passaram-se 30 anos. E alguns fãs da banda se tornaram conservadores. Muitos, hoje, são de direita. Nossos pensamentos já não batem mais. Não sou contra gay, contra punk, contra candomblé, como pessoas que eram fãs da banda demonstram ser. Os Racionais foram criados por quatro garotos que tentavam sobreviver, que não tinham ideia de como era o mundo. Só sabíamos o que era a favela. Muita coisa mudou, e hoje eu questiono a importância dos Racionais num mundo desses. Aqueles ideais que o povo defendia, o povo esqueceu. Com aquele discurso que tínhamos em 1990, hoje, os Racionais seriam engolidos pela periferia. Seriam rejeitados. Porque, depois de dois governos Lula e de um governo Dilma, mudou a mentalidade da periferia. Não tem como desvincular os Racionais da política, a banda sempre foi atrelada ao momento político do país. E qual é o momento político do país agora? A periferia passou a ser de direita. O rap virou algo de direita, conservador. Aquele rap da época dos Racionais, hoje, é um rap religioso, moralista, que não conversa com a revolução que precisa ser feita atualmente.

Sobre sensibilizar pessoas com sua música.

Não sei se minha música é um caminho. As músicas novas, sim. As dos Racionais talvez tenham servido em algum momento. Hoje, a maioria está reclamando porque não tem iPhone. Você tem realidades distintas. Hoje, a luta que as pessoas dizem ter é individual. Não vejo mais luta de classes. A luta é por conforto. A periferia está pedindo segurança, votando em polícia, se escondendo dentro de igreja e atrás de pastor, não assumindo a parte que lhe cabe. Então, qual seria a importância dos Racionais hoje? Falar de Deus, de família? Não. Isso é o que fala o discurso da direita no Congresso. Que é homofóbica, racista, um monte de coisas. Os discursos se misturaram. A extrema-esquerda, hoje, virou direita, de tão à esquerda que está. A gente vai ter de rever os conceitos. Você pega os pensadores do movimento (hip hop): eles estão neutros. Porque, hoje, você é apedrejado por falar de Lula. É linchado na internet, junto à opinião pública. Então está todo mundo com medo. A gente sabe o que é bom para o povo, a gente sabe em que momento o povo esteve melhor ou pior. Eu tenho idade suficiente para dizer: vivi vários momentos e vi o Brasil muito mal. Já vi o negro neste país mal a ponto de alisar o cabelo, de clarear a pele, afinar o nariz. Mal a ponto de esconder onde morava, ter vergonha da mãe. A gente não vive mais isso. Hoje, o negro vive o orgulho, e o branco vive a vergonha do que fez. E muitas vezes as pessoas se confundem por isso.

Sobre se adaptar as novos tempos.

Não é se adaptar, não. Não me adapto. Só faço o que quero, nunca fui pelo sucesso. Não faço questão de aplauso. Faço questão de sair de cabeça erguida e ciente de que fiz de coração, que não estava ali interpretando um personagem. Não sou um personagem de mim, sou um cara real. Se eu estiver com raiva, minha raiva vai ser exposta. Se eu quiser falar de amor, vou falar. Não tenho máscara para agradar a maioria. Eu sou eu. Em alguns momentos, a maioria esteve comigo, hoje já não sinto isso. A maioria quer iPhone, tênis, segurança, internet. Não é como nos anos 1990, quando faltava comida nas mesas. Hoje as pessoas estão obesas, estão comendo demais, consumindo e bebendo lixo, ouvindo lixo. Assistindo lixo, curtindo lixo na internet, a vida dos outros, vida de celebridade. E deixam de lutar por si. Mudou o tempo. Não me adapto, não, a música continua sendo real, o que acontece é que às vezes a gente cansa da hipocrisia. Tem dois lados muito distintos aí. Tem o grupo de rap, que é pago para cantar uma música A, B, C ou D. O público está lá, o público vira o seu patrão. E tem o ser humano que está por trás da música, que pensa, que sente, que se preocupa, e que não se identifica com o momento que o Brasil vive. O que está havendo é que a favela não está pensando nada do que está vivendo. Está relembrando o passado, curtindo um flashback. Mas está vivendo uma vida diferente da que nós estamos cantando. Hoje, a favela tem outras prioridades, outros candidatos, outras inspirações. Quando a favela ouve as músicas dos Racionais, é por nostalgia, não mais por necessidade. E a gente sabia. Não fizemos aquelas músicas à toa. Sabíamos que tinha gente ali em depressão, sem vontade de viver, dentro de um barraco, na cela de uma cadeia. Eu sabia, convivia com isso, escrevi pensando nisso.

Sobre comemorar os 30 anos dos Racionais.

Não. Só há luto. Se vejo como a periferia pensa hoje, como o brasileiro pensa… estou de luto. Hoje é sexo, drogas e vida dos outros. Não há mais nem rock’n’roll, porque até a música hoje é dispensável. Música, hoje, é para consumir, chapar, ficar louco e já era. Você pode falar: nem todos são assim. Mas vê os números. Grandes artistas, grandes pensadores estão sendo esquecidos, apagados, varridos do mapa. Não é o Brown que está falando. É o mundo. A culpa não é minha. Quem levou o Brasil para isso foi o próprio povo. O povo elege quem quer. Consome o que quer, come o que quer, veste o quer.

 

Avaliação do hip hop no Brasil

Têm surgido nomes bons. A melhor fase do rap é agora. Os melhores letristas da música brasileira estão no rap. É Djonga, Rincon Sapiência, que é impressionante, BK’, Luccas Carlos, Emicida, Criolo, Projota, Rael. São esses caras. Se você pensar no que está acontecendo a partir do social, de periferia, vai ver que a Anitta também, assim como a Ludmilla… É um povo, uma raça que estão sendo representados. Não consigo separar o rap da Ludmilla, da Iza, da Anitta. É um corpo só. É o povo caminhando junto. É uma geração emergindo das trevas, do esquecimento, do abandono, do racismo. O inferno da vida de uma pessoa é o abandono. Essas pessoas estão emergindo do inferno, onde elas morreriam anônimas, como muitos morrem, sem reconhecimento, sem valor. A nova música popular brasileira são essas pessoas.

Planos de um novo disco do Racionais.

Os caras têm de deixar os Racionais quietinhos. O pessoal não está merecendo os Racionais, não. Racionais é algo muito verdadeiro, é sangue no olho. É brabo, já pegou em armas. Racionais, para mim, é sagrado. Por mim, não gravava nunca mais. Minha música foi sempre ligada às lutas, ao povo, aos becos e às vielas. Aquele povo para quem a gente cantava não é o mesmo de hoje, aquele povo queria outras coisas. O Brasil mudou, e é com essas regras novas que vou jogar agora. Não vou jogar com regras antigas, não sou otário, se não os próprios caras que gostavam de mim vão me engolir, como já estão tentando fazer. A periferia está com muito medo, está votando em polícia porque conquistou as coisas no governo Lula e agora tem raiva de tudo o que soe ameaçador. Não concordo quando o rap critica o funk, quando o outro critica o gay ou o candomblé. Neste momento me sinto minoria. Preciso ter inteligência. Já fui só coração. Hoje, sou coração e cérebro.

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