Nabrisa e a falta de senso da realidade

Não é novidade para ninguém que existe racismo no Brasil. Um verso lançado no Perfil #54 da Pineapple StormTV pela MC Nabrisa virou assunto devido ao racismo explícito na canção.

“Inferno é pra branco e pra preto
Na cadeia tem branca e preta
Na favela tem branco e preto
Rap é pra branco e pra preto
Todo preço já foi pago, eu não preciso dar um jeito”

A faixa que foi liberada no canal da Pineapple vem recebendo diversas críticas, com até mesmo alguns fãs se unindo para “expulsar” Nabrisa do hip hop. Primeiro é preciso entender a gravidade desses versos em plena crise política e humanitária que vivemos no Brasil.

Inferno é para branco e para preto? A morte sistemática de jovens negros no Brasil é uma realidade que estampam capas de noticiários dentro e fora do país. O movimento negro, além de enterrar os corpos, daqueles que não desaparecem misteriosamente, vem diariamente denunciando o assombroso aumento do número de homicídios da nossa juventude. No nosso país, 23.100 jovens negros de 15 a 29 anos são assassinados. São 63 por dia. Um a cada 23 minutos. País afora, mães negras choram o assassinato dos filhos. Inferno é viver com medo por ser negro.

Na cadeia tem branco e preto? De acordo com dados do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen), divulgado pelo Ministério da Justiça, os pretos e pardos representam 72% da população carcerária só do Rio de Janeiro. Rafael Braga foi preso em 2013. Jovem negro, ele trabalhava como catador de material reciclável e foi condenado a cinco anos de prisão após ser detido com dois frascos de plástico contendo desinfetante, durante uma manifestação. Policiais alegaram que o produto seria para fabricar coquetel molotov. Em outubro de 2014, ele progrediu para o regime semiaberto e passou a usar tornozeleira eletrônica até que, em janeiro de 2016, foi novamente preso, desta vez por portar 0,6 grama de maconha e 9,3 grama de cocaína. Rafael recebeu uma nova condenação de 11 anos e três meses de reclusão. Racionais já dizia: “60% dos jovens de periferia sem antecedentes criminais já sofreram violência policial. A cada quatro pessoas mortas pela polícia, três são negras. Nas universidades brasileiras, apenas 2% dos alunos são negros. A cada quatro horas, um jovem negro morre violentamente em São Paulo.”

Na favela tem preto e branco? As favelas são fragmentos do período pós escravidão. Os negros foram excluídos e expulsos da sociedade principalmente pela ausência de políticas públicas efetivas que permitissem a verdadeira inserção dessas pessoas no convívio social. A pobreza nunca foi somente questão de classe. Gênero e raça sempre a envolveram. Conforme dados da Organizações das Nações Unidas sobre questões de minorias, os negros brasileiros correspondem a 70,8% de todos os 16,2 milhões que vivem atualmente em situação de extrema pobreza. Conforme dados do IBGE, em 2014, 76% dos mais pobres no Brasil são negros. Os olhos se acostumaram a ver pessoas brancas ocupando lugares de poder, mas os donos desses olhos insistem em não questionar o fato de que 54% da população brasileira é negra (segundo o IBGE) e que não vivem em uma sociedade representativa, não são protagonistas de campanhas publicitárias, não ocupam cargos bem remunerados e estão cada vez mais longe dos centros urbanos.

Rap é pra branco e pra preto? O propósito de quem não vê o menor problema em esbravejar uma igualdade que não existe e nunca existiu é recriar o hip hop para beneficiar e privilegiar quem sempre teve isso durante a vida toda? O rap está muito acima disso. Se não suportam a ideia de escutar quem prega igualdade, nunca entenderão nossa cultura.

E mais, se não se sente parte responsável por essa desigualdade e acha que “todo o preço já foi pago” é melhor repensar e estudar o hip hop de fato antes de se sentir parte dele só por rimar.

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