Projota celebra suas conquistas no álbum “Tributo Aos Sonhadores I”

Escrito por Fellipe Santos 03/05/2019 às 15:00

Foto: Divulgação

Uma analise completa de “Tributo Aos Sonhadores I” do rapper Projota.

José Tiago Sabino Pereira, mais conhecido como Projota, acaba de lançar seu terceiro álbum produzido em estúdio e traz uma nova roupagem para a sua discografia. Tributo aos sonhadores I, é um trabalho autobiográfico composto por 8 letras, as quais nos mostram cada face desse rapper tão criticado por uns e seguido por outros. O disco tem o propósito de fazer uma homenagem aos fãs, mas ao mesmo tempo, conta com relatos pessoais que vão delimitando a sua personalidade, vivencias, influencias musicais, sonhos, medos, desejos, frustrações.

Sim, em uma primeira análise superficial, seu álbum pode apresentar-se de maneira supérflua e nem um pouco inovadora para um ouvido não tão crítico. Por esse motivo, entendo que as suas faixas são ideais para serem degustadas em momentos que a sua mente esteja disposta e preparada para reflexões. Se a sua preferência musical é destinada a letras pesadas que falam explicitamente sobre violência, abuso, desigualdade social e miséria, talvez não sinta-se atraído a ouvir seu novo álbum. Entretanto, considero que Projota desenvolveu seu trabalho de forma honesta e autentica, suas músicas tocam em muitos pontos dos quais foi-se levantando, mas de forma melódica e com beats característicos de sua carreira.

Na minha opinião, Tributo aos Sonhadores I é a primeira parte desse novo projeto e que pode ser entendido como uma produção feita para três destinatários. Aos seus fãs e apreciadores do rap, pois tem continuidade temáticas de seus outros sucessos e toca em assuntos pertinentes ao cotidiano da grande maioria. Para o Projota do presente, uma vez que algumas letras são feitas para explicitar da onde ele saiu e onde que ele conseguiu chegar, quebrando barreiras que se mostravam gigantes em certo momento. Mas, principalmente, para o Projota do passado, haja vista que pode-se perceber letras nostálgicas e que possibilitam a interpretação de um momento de auto crítica e reflexão. Assim, é um disco bastante convidativo e chamo todos a lerem um pouco mais. Afinal o que será que tem a nos dizer esse seu novo álbum?

CELTA VERMELHO – É a primeira faixa de seu disco e faz um levantamento sobre toda a sua trajetória. Iniciando pelo seu pai que veio do Piauí, em busca de melhores condições de vida na cidade grande. Assim, Projota cresceu na Zona Norte de São Paulo passando por bairros tradicionais como Lauzane Paulista e Jardim Peri. Estudou em colégio público, mas foi na escola da rua que aprendeu as maiores lições. Teve que lidar logo cedo com a perda de sua mãe, uma forte referência materna. Cresceu em meio a tantas dificuldades, as quais são elementos característicos a muitos jovens brasileiros, assim, essa sua canção fala sobre toda a luta, batalha e corre que foi necessário ser feito para conseguir almejar um futuro melhor. Essa música consegue promover de imediato uma interação com o ouvinte, uma vez que a identificação com a letra é algo natural, já que a história narrada faz menção a muitas outras vividas e conhecidas por todos. O celta vermelho surge como um simbolismo dessa superação e ascensão social que foi possibilitada por meio da música, entretanto o seu passado de dificuldade jamais poderá ser esquecido.

“Porque hoje eu tenho tudo eu sonhei, até um carro novo pro meu pai eu dei
Mas eu já me senti vencedor quando um dia eu comprei
Um celta vermelho, sem ar e sem direção
Em 60 vezes, paguei cada prestação
E eu me senti vivo, o mundo na minha mão
Hoje eu tô voando, mas eu sei bem onde é o chão.”

PERTO DO CÉU – Essa faixa, no meu entendimento, faz uma grande homenagem ao Charlie Brown, desde a parte instrumental, o nome da música como trocadilho a “Céu Azul” e até mesmo com citações explícitas em sua letra. Assim, compreendo que “Perto do Céu” tem como objetivo relembrar algumas histórias do passado, influencias musicais, ídolos de criança como o Ayrton Senna e até lembranças de quando seu pai tinha o costume de presenteá-lo com um chocolate. Todas essas referências do passado são marcas cicatrizadas em sua memória, as quais conseguem remeter a tempos mais simples e que hoje possam estar fazendo falta, por conta de toda efervescência de um novo mundo que surgiu para esse sonhador. A saudade também aparece personalizada em um possível amor que tenha ficado pelo caminho dessa sua conturbada vida e que dificulta a manter laços mais firmes. Surge também uma possível auto crítica para esse novo ser que conquistou tudo que sonhava e que possa ter se perdido durante essa caminhada.

E quando tudo parecia tá errado
Eu ligava o som pra ver quem tava do outro lado
E ouvia aquela voz de um louco marginalizado igual a mim
Que dizia pra eu lutar até o fim

Naquele tempo eu fui eu
Mas eu não sei por quanto tempo eu fui eu
Em algum quilômetro desse túnel eu me despedacei

SEI LÁ PART (VITÃO) – O lado romântico do cantor, nesse momento vem a tona de forma bastante peculiar. Não conta apenas mais uma relação clichê de dois adolescentes apaixonados, mas sim relata um amor que possivelmente não veio a se traduzir em um relacionamento duradouro. Nesse ponto essa indecisão sobre o presente, acaba confundindo-se com esperanças de se concretizar no futuro todos os planos que tinha feito. Até lá, ambos os personagens dessa história jogam-se no mundo a procura de entendimento sobre a vida, sobre os amores, sobre si mesmos. Esses desencontros e desilusões são responsáveis pela nítida angústia que Projota interpreta muito bem, porém são situações necessárias para o seu amadurecimento. Existe a esperança de no final encontrar com sua amada, por um acaso da sorte, mas até lá… sei lá, viva o que tiver que viver hoje e a sorte um dia irar junta-los novamente

Quando foi que a sua esperança saiu por aí?
E se foi, já fui mais sincero ou menti
Quem não foi, seja orgânico num mundo mecânico
Espero que ela espere por mim lá no fim
E você voltando pra casa virada
Mais uma madrugada tentando se entender

DISCO VOADOR – Disco voador aparece como metáfora de um outro universo ou um outro plano físico que de respostas a atual realidade. No caso seria como uma terra prometida, a qual não faltaria nada, apenas aproveitaria a vida com tudo que lhe tem direito. Assim, Projota, por meio de uma crônica, conta a história de como muitos fazem para conseguir alcançar esse solo sagrado. A história se passar por um pai de família que para conseguir entrar nesse disco voador, optou por um assalto com mais três comparsas. Sendo que a história não se desenvolve como o esperado, ele é traído por um companheiro e a polícia já está a sua espera para impedir a concretização do roubo.

O assalto vai por água abaixo, os seus planos ficam ameaçados e a sua vida está por um triz. Um revolver engatilhado destinado a sua morte, porem misteriosamente ele é salvo por uma “entidade” que pode ser entendida como sua rezadeira, sua mãe ou sua esposa que sacrifica a sua vida pela dele e acaba terminando na prisão. Sem o disco voador, sem dinheiro, sem liberdade, sem a família, sem o filho, sem esperança, sem perspectiva… Assim é que termina a vida de muitos que acabam optando por decisões precipitadas, buscando fugir da árdua realidade que paira sobre a sua cabeça e que não dá margem para almejar dias melhores.

É a última vez
Pela última vez
Vou fazer e hoje nada me abala

Abre o cofre e nem tente negociar
O malote, a grana
O holofote, a fama
Essa noite é nossa, é só comemorar
Meu amor espera um filho meu
E hoje eu vou parar

Tudo seguindo como eu planejei
Minha gata espera onde eu combinei
Me abraça forte como eu sempre sonhei
O objetivo, claro, era sumir daqui

Mas eu senti um gelo na minha nuca
E vi que essa arapuca é forte
e nela eu vou cair
Um dos três que um dia correu por mim
Ali que apontou pra mim e começou sorrir
Policiais entrando pelo galpão
Jogando ela no chão

Quando de repente
Ela entrou na minha frente
Tão inconsequente só pra me salvar
Destino feito com tiro perfeito
Penetrou seu peito e me fez chorar
E ali perdi tudo que tive
Perdi inclusive a força pra lutar
Hoje nessa sela só o que me resta é lembrar

FORA DA LEI – Surge como resposta a muitos críticos de seus sons, os quais difamam o seu potencial de forma completamente leviana. Tem um tom um pouco mais agressivo que tem como finalidade mostrar a grandiosidade de sua conquista. Afinal, a maioria que tenta desvalorizar o seu trabalho, não fez nada para tentar melhorar a sua situação, enquanto ele continua desenvolvendo a sua arte, fazendo sucesso por meio dela e alcançando todos os seus sonhos. Além disso, a música tem um recorte mais sensível, uma vez que Projota desabafa sobre o momento de depressão pelo qual passou e aparece como mais um nome que tenta erguer a bandeira sobre a importância de discutir sobre essa perigosa doença. No final, promove também uma análise sobre as periferias de todo o Brasil, que na atualidade está passando por um novo olhar, onde abre-se outros caminhos para fugir da criminalidade, como por meio da música da mesma maneira que ele e tantos outros fizeram. A favela, por vários motivos continua sendo uma fábrica de criminosos, mas ela também tem riqueza para tornar-se uma fábrica de artistas.

Vou cortar na mão, quem nasceu Balboa vence sem ter pressa. Cortei geral, te mando a remessa, é muita cabeça pra pouca travessa (…) pros trouxas que falam mal de mim, vão morrer sem ter feito uma linha dessa.

Já tirei meu mano do crime, hoje vou tirar meu mano do bar. Depressão é foda mano, eu já tive, só eu sei como é que eu saí de lá. Por que o lugar da onde eu vim é uma fábrica de Bin Laden e Pablo Escobar. Mas também é uma fábrica de Sabotage, você quem escolhe quem quer se tornar.

DEJAVU PART LUCCAS CARLOS – Nessa faixa com participação de Luccas Carlos, relata-se a princípio mais uma história de relação casual e despretensiosa. Entretanto, dessa vez ele é surpreendido pela postura de sua companheira que visava a mesma coisa que ele: Transar e cair fora, sendo que ela conseguiu ser mais sagaz e essa situação acabou pegando-o de surpresa. Não estava preparado pra isso e em certo ponto teve seus sentimentos um tanto quanto feridos. Não tem como afirmar sobre a real pretensão do artista ao escrever esta letra, mas percebe-se que essa situação interpretada na música, pode ser compreendida como reflexo das novas formas de posicionamento e comportamento social. Afinal, muitos movimentos de empoderamento buscam dar ênfase sobre a importância da reivindicação sobre a liberdade de seus corpos e a imposição de sua feminilidade. O jogo está virando.

Quando eu acordei você não estava e eu te procurei,
lembra do que eu te falei.
Nesse jogo você me usou, mas eu também te usei,
dessa vez me machuquei…

NUMA ESQUINA DO UNIVERSO – Relato da música faz menção a falta do sentimento de pertencimento dessa sociedade e ao encontrar com alguém que compartilha desses mesmos anseios, ele conseguiu dar um novo sentido pra sua vida. Ter alguém pra compartilhar os mesmos pensamentos, desejos e sentimentos é de extrema importância. Parece que ela veio de outro mundo, de outro universo e ao mesmo tempo está tão perto, por que transmite as mesmas ideias e objetivos vividos por ele. Praticamente é algo que ultrapassa a realidade dos pensamentos terrenos. Por isso diz que em uma esquina do universo irão se encontrar novamente, uma vez que entende-se que a sua relação ultrapassa os limites conservados aqui, a conexão que possuem é de outro mundo e em outro Universo irão conseguir viver da forma mais autentica possível.

Eu sinto que eu não sou daqui
Sinto dentro do meu corpo desde que eu nasci
Por isso que eu te reconheci
Eu sentir vindo de você desde quando eu te vi…

Fui lá, ver o universo e voltei
Fui pra muito longe mas eu voltei
Vou te levar, numa viagem estrelar
Numa esquina do universo
A gente ainda vai se encontrar.

MAIS UMA BRIGA NO BAR – Na minha opinião, a melhor faixa desse álbum e fecha com chave de ouro esse trabalho dedicado aos fãs. A música fala de muitas situações então vamos dividir por partes, a fim de que seja possível captar alguns pontos levantados.

No viaduto, eu não vi adultos
Eu só vi crianças prestes a chorar
Mudei de assunto porque aquele assunto me machuca muito e eu não quis pensar
Foi quando um menino me bateu no vidro
Que eu tava dormindo e me fez acordar
Pelo seu olhar
Que me fez voar
Como os malabares que ele jogou pro ar

Hey, criador
Eu vi a dor
E pelo o que eu vi a dor
É o desamor
Criamor
Mas pelas mãos de um fiador
E se a dor
Cria cor
E cria flor
Em miamor
Um dia o amor surgia
E trouxe um dia pra minha vida dor

Primeira parte: Nessa primeira parte, compreendo que Projota faz uma crítica a atual situação de muitas crianças moradoras de rua e passam sua infância com essa situação desumana. Moram embaixo de viadutos, passam necessidade e são simplesmente ignoradas pelo restante da população que simplesmente os olham, mas não os veem. Assim, ele só veio a acordar para essa realidade quando um menino bateu em seu vidro pedindo uma ajuda qualquer. Essa situação o faz conversar com Deus, o criador, falando que viu a dor desse jovem e o desamor presente em seus olhos. Um fiador, ou seja um intermediário, surge, mas não responde as necessidades básicas, assim, esse mesmo jovem possuí uma cor, preta, e se criaram dor para o mesmo, este também pode criar flor em nossos corações. Assim, o amor e a dor aparecem como elementos do mesmo sistema e que convivem em uma linha extremamente tênue.

E em casa eu pensando que isso era viver
Eu tava esperando a chance de falar
Então tá, se eu sou nuvem hoje eu vou chover
Vem pra ver o monstro que eu vou te mostrar

Entendi o mundo
A primeira vez, eu tinha 5 ou 6
Mas eu posso lembrar
Foi naquela frase
Tinha que ser preto
O estrago foi feito e não da pra voltar
Meu pai pegou minha mão e disse que ele não precisava revidar
Mas cada conquista que eu tive na vida
É pra cada palavra que ele quis falar

Segunda parte: Nessa segunda parte, Projota mostra seu lado mais agressivo e contundente, características que muitos falam que faltam em seus trabalhos atuais. Essa explosão em seus argumentos transforma-se ao relembrar um caso de racismo que sofreu quando criança e por mais novo que seja, não se foi esquecido. Até mesmo porque, situações como essas, são vivenciadas por nós todos os dias. No momento, seu pai o conteve e a sensação de incapacidade tomou conta de seu corpo, entretanto a resposta é dada cada vez que seu povo consegue quebrar barreiras de preconceito, pisando em lugares onde antes não éramos convidados e conquistando prêmios que antes não ficavam nem na nossa imaginação.

Vou vender minha bike
Vou comprar umas drogas
Vou vender essas drogas
E economizar
Vou comprar um Nike
Um cordão de ouro
Vou ficar bem chave
Pras minas pirar
Vou expandir meu lance
Vou vender mais droga
Vou lançar um golf
Vou mandar blindar
Pra no fim eu tomar 5 tiros saindo da porra de um bar

Terceira parte: Nesta última parte, Projota consegue fazer de forma brilhante, efetiva e sucinta a descrição de como é o estilo de vida de muitos jovens e adultos periféricos. O crime e o tráfico surgem como respostas rápidas, mas também ilusórias, de uma salvação para tanta revolta interna. Começa, assim, a se desfazer de seus objetos para que seja possível comprar mais drogas e com estas, aumentar seu lucro. Assim, como no mundo real, esse rápido sucesso econômico, refletido em bens materiais luxuosos, desperta a atenção de todos ao seu redor. A máquina de fazer dinheiro não pode parar e a ganância aparece como principal combustível de funcionamento desse sistema, tornando-se responsável pelo desejo ardente de mais e mais. Desse modo, por conta dessas armadilhas da vida, aqueles que não são presos, tornam-se motivo de choro dos amigos e mal exemplo pros familiares. Acabam com suas vidas de forma fácil, afinal nossos corpos são objetificados e descartáveis, assim uma simples briga em um bar dá fim a esse castelo de areia que se foi criado.

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