‘Quando eu cheguei no rap, ninguém colocava mulher para cantar’, diz Eliane Dias sobre empoderamento feminino

Nesta segunda parte da entrevista que a ativista e empresária musical Eliane Dias concedeu ao RAP MAIS, a tônica é sobre a inclusão das mulheres no rap.

Na última semana, liberamos a primeira parte de nossa entrevista com Eliane Dias. Onde a empresaria falou sobre o inicio de seu trabalho com o Racionais MC”s, seu relacionamento profissional com Mano Brown e o patamar atual do rap nacional.

Nesta segunda parte da entrevista que a ativista e empresária musical Eliane Dias concedeu ao RAP MAIS, a tônica é sobre a inclusão das mulheres no rap. Eliane fala para o que passou pela sua cabeça para não ser taxada como muitas mulheres são: ser reconhecida apenas por ser esposa de algum artista, mas não pelo seu trabalho em si. Desde exemplos dentro de casa até seu trabalho como ativista, ela teve em mente ser lembrada pelo o que é e não pelo trabalho de outras pessoas.

“Eu pago um preço alto por querer ser eu mesma e não ser de alguém. Por ser uma ativista lutando pelas causas de gênero e raça, não posso ser apenas a ‘fulana de alguém’, pois ficaria muito sem sentido. Já vimos isso no tempo da escravidão ‘ela é escrava de alguém’, então ter essa postura de ser eu, Eliane Dias, é bem difícil. Até seria mais cômodo e confortável se eu tivesse o posicionamento de ficar do lado dele o tempo todo e me apresentando como ‘Eliane, casada com Brown’, mas isso não me deixa numa zona de conforto de jeito nenhum, pois tenho plena convicção pela minha própria essência. Minha mãe tem quatro filhos de homens diferentes, então eu vivi isso de ter plena convicção de que um relacionamento é um relacionamento. que vai rolar enquanto der certo. Se não der certo serei que? ‘Eliane, a ex de fulano’? Não. É bem complicado isso, mas me sinto mais confortável assim”, explica.

Sendo um ambiente historicamente dominado por homens, ela conta que assim que virou empresária do Racionais MC’s, em 2013, teve a iniciativa de colocar mulheres no palco para aos poucos estarem presentes nos eventos de rap.

“Nós tivemos um avanço. Quando eu cheguei no rap, ninguém colocava mulher para cantar. Agora uma festa sem mulher para cantar mão dá mais. A primeira cantora que eu convidei para estar num palco numa festa na zona sul de São Paulo foi a Negra li, depois foi a Mc Gra, em Pernambuco. Nesse meu início também lembro que a Karol Conká estava começando a bombar em Curitiba e eu a coloquei para abrir um show lá. Disso para frente sempre tem mulheres em shows que eu faço parte ou organizo, não  que eu venda o Racionais numa venda casada, cada um dono de suas festas e nos eventos da Boogie Naipe sempre tem”, detalha.

Eliane também tem a visão, como muitas pessoas, de que o país estava evoluindo com essas pautas de minoria, mas o atual governo do Brasil trouxe de volta todo um peso com suas ideias retrógradas.

“A mulherada começou a chegar forte forte, mas infelizmente com esse retrocesso que tivemos, em 2018, acabou que deu uma segurada nisso para todas as mulheres, não só do rap. Nossa resistência tem sido maior, por causa do aumento da intolerância, machismo, agressão à mulher e feminicídio. Tudo isso é pior reflexo do governo que se instalou que é descredibiliza totalmente a mulher.”, fala.

Um dos grandes dilemas que as mulheres tem no meio do hip-hop é como deve se apresentar. Muitas ainda tem medo das críticas porque apenas querem ser quem são. Mesmo num ambiente machista, a empresária afirma que já chegou a hora das mulheres se empoderarem no rap.

“A partir do momento que você adquire conhecimento não dá para o jogar fora. As mulheres hoje podem se vestir como querem, não precisam mais imitar os homens vestindo roupas se masculinizando para entrarem no mercado e podem falar sobre as suas coisas. Porque a mulher do sertanejo pode falar da sua sofrência e a do rap não pode? Ela como artista tem que ser livre para fazer a sua arte.”, finaliza.

Sair da versão mobile