Rimas & Melodias: O Neo Soul impresso no protesto

Escrito por Vinicius Prado 20/02/2018 às 17:30

Foto: Divulgação

As dificuldades para as mulheres sempre foram maiores independente de qual campo elas queiram participar. Dentro do rap não é nem um pouco diferente. Grande parte dos comentários a cerca desse assunto, defendem a ideia de que a ascensão comercial de um MC depende exclusivamente do seu talento e exclui totalmente um cenário de preconceito regional, desigualdade de gênero e de muita pedra no meio do caminho (como grana para investir em marketing, em gravação e etc).

O fato é que há inúmeras mulheres incríveis movimentando essa cena, que antes era tão restrita aos homens. Em outubro do ano passado, o cypher (encontro de MC’s em rimas conjuntas, como as rodas de freestyle, com versos que podem ou não ser de improviso) “Rima Dela” revelou vários nomes que já estão na caminhada há anos e anos. Entre eles, está o de Alt Niss. Na faixa, ela vem com o discurso firme: “Pras nega fé de quebrada, isso aí é só palavra difícil. Comé que fala fia? Feminismo?”

Ela é apenas uma das 7 mulheres que compõem o coletivo Rimas e Melodias. Juntas, as companheiras de vida e de palco Drik Barbosa, Karol de Souza, Stefanie, Tássia Reis, Tatiana Bispo, Alt Niss e a DJ Mayra Maldjian deram uma nova cara à cena do R&B, Neo Soul e Rap no Brasil. O desabafo sobre as vivências de cada uma deu origem a um álbum com 7 faixas com o mesmo nome do grupo. As músicas tratam da força da mulher, especialmente da mulher negra, perante uma sociedade estruturalmente racista. Na música Origens, Tatiana Bispo, por exemplo, conta que é neta de nordestino e em sua história ainda há uma mistura de preto com índio. O som começa no trap, passa pelo funk, vira um house e termina com um beat inspirado na música armênia, simbolizando a origem da DJ do grupo. As mulheres não tiveram medo de ousar e explorar todas as referências imagináveis, tanto na letra quanto nos beats.

O feminismo negro também segue como fio condutor nas outras seis faixas. A luta delas é “pautada na falta de representação pelos movimentos sociais hegemônicos. Enquanto as mulheres brancas buscam equiparar direitos civis com os homens brancos, mulheres negras carregam nas costas o peso da escravatura, ainda relegadas à posição de subordinadas; porém, essa subordinação não se limita somente à figura masculina, pois a mulher negra também está em posição servil perante a mulher branca”. As informações são do GeledésInstituto da Mulher Negra e explica um pouco da importância desse movimento. A faixa “Manifesto/Pule, Garota” tem linhas pesadas sobre a manipulação emocional e a padronização da imagem que a mídia impõe às mulheres. “Minha sina é manifesto, pelas mina. Meu protesto, minha rima! O padrão te contamina, eu tô no rap ou no Miss Universo?” canta Tássia Reis nesse som, que ainda conta com uma poesia arrepiante da militante Djamila Ribeiro no final.

O single Elza” resume tudo isso em uma única música. Uma homenagem clara a cantora Elza Soares, que é inspiração para diversos MCs, como Rael e Emicida. “A carne mais barata sempre venceu as tretas. Santo Deus me fez forte! Resisti! Mulher preta!”. Não há nem o que falar sobre a firmeza com que o objetivo delas é passado para quem ouve. As meninas-mulheres mostraram em um curto tempo que não vieram brincar em serviço e a doçura e força presente na voz de cada uma é um ímã que atrai até mesmo os mais desinteressados no assunto. Como elas mesmas dizem: pra uns é dom, pra outros, uma missão.

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