Seu MC favorito fala muito na internet

Escrito por Fellipe Santos 17/03/2018 às 13:00

Foto: Divulgação
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A internet deu voz e vez para muita gente que antes não se expressava. Pessoas de todos os lugares, com várias vivências, utilizam dela diariamente para garantir seu espaço em meio ao caos social em que vivemos atualmente. Apesar das inúmeras facilidades, a internet e as mídias sociais também possibilitam a qualquer um se passar por quem não é. O papo é clichê, mas não falo de pessoas falsas. Falo de ideologias falsas. Condutas, posturas falsas. Grande parte das pessoas que se envolvem no movimento hip hop sabe que por baixo dos panos a cena é diferente do que é mostrado. Parece irônico, visto que o início do movimento foi justamente para confrontar o sistema que marginaliza os menos favorecidos e denuncia a desigualdade.

MCs, DJs e produtores: racistas, homofóbicos e misóginos. Ah, os misóginos… daria para fazer uma lista (grande) com os nomes. Mais que um “papo de feminista”, isso é papo de consciência e empatia. Os homens sempre tiveram privilégios em todos os campos, sejam eles acadêmicos, artísticos ou trabalhistas. Se a luta tem como fundamento cessar as diferenças entre nossos semelhantes, o primeiro passo é reconhecer onde estão seus privilégios. Por exemplo, homens não precisam pensar no que significa para eles o fato de 50,3% dos homicídios de mulheres no Brasil serem cometidos por familiares (sendo 33,2% por parceiros ou ex-parceiros), ou que um estupro acontece a cada 11 minutos, ou que uma mulher é vítima de violência doméstica no Brasil a cada 4 minutos. E o que isso tem a ver com o hip hop?

Há muito tempo nós mulheres já estamos batendo nessa tecla e ainda é necessário dizer em alto e bom tom: a cena underground não tem espaço para quem apoia qualquer sistema de opressão. Há inúmeras denúncias de mulheres expondo MCs que foram/são abusivos, machistas, violentos. Mas rimam bem. E nada acontece. As minas seguem sendo desacreditadas, e os MCs seguem com o mesmo público. O mesmo hype. Porque rimam bem, unicamente.

Não tem lógica passar a mão na cabeça do MC favorito que rima uma coisa e age de maneira contraditória na vida pessoal. “Ah, mas é a vida íntima do cara…”. Não. O rap não é um gênero qualquer no qual a conduta da pessoa pode se separar da música, justamente porque não é uma música comercial. Nunca foi. E nunca teve espaço para quem não tem postura.

O errado tem que ser cobrado, principalmente pelo público, que não pode ser permissivo a ponto de continuar gerando renda, shows e sucesso para uma pessoa, por exemplo, que bate na companheira. Que expulsa mina do camarim depois de receber um “não”. Que aproveita da fragilidade da mulher que foi abusada para gerar hype e levantar brigas antigas que foram mal resolvidas. Que tem um vasto histórico de comportamentos abusivos, inclusive com mulheres da cena underground.

“Fui criado de maneira machista, mas o mundo está mudando. Não faz nenhum sentido o homem ser beneficiado só por ser homem, é injusto. No momento em que entendi que, se eu não respeitar uma mulher, não vou respeitar ninguém, aí ficou fácil. Mudei como pessoa, minha música mudou, minha abordagem, o entendimento do mundo…”. A fala é de Mano Brown. Se ele, no alto de seus 30 anos de carreira, reconheceu o quanto isso é importante, porque uma geração que tem acesso à informação de maneira muito mais fácil não reconheceria?

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