A lírica do feminismo em “1910”

Escrito por Fellipe Santos 17/03/2019 às 12:17

Foto: Divulgação
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Bom dia! A coluna “RAPires” voltou, agora também aos domingos.

Ultimamente muito tem se falado que o “real hip-hop” estava em falta, principalmente as letras sem conteúdo. Também surgiu uma onda (e boa) de cyphers, mas que nos últimos anos acabaram ficando engessado. Os temas eram praticamente os mesmos e sempre um ou dois MC’s se destacavam no som. No último dia 8 de março, 5 MC’s quebraram isso com maestria.

Thai Flow, Nabrisa, Lourena, Azzy e Gabz, produzidas pela WRM, nos apresentaram 1910. Com o título fazendo uma referência ao ano que a professora e jornalista alemã Clara Zetkin, ícone do feminismo, criou o dia internacional da mulher, elas jogaram todas as suas técnicas e ideias num som que é de longe uma das coisas mais necessárias que apareceram no rap nacional nos últimos anos. Pessoas semelhantes, com os mesmos ideais, lutando com a sua arte por um mesmo objetivo.

Uma música normal (de até 4 minutos) tem o pleno direito de crescer, ou seja, começar numa sonoridade menos empolgante e ir melhorando. Uma cypher, não. Ela exige que cada MC dê os eu melhor no seu verso. Foi assim que “1910” começou. A Thai deu um cartão de visitas animal. Com uma sequência de referências, em cima de um excelente beat do Nobru Black, ela chegou com o pé na porta iniciando o ataque ao machismo, com uma fotografia no videoclipe que lembra as 125 mulheres que foram queimadas na fábrica de Triangle Shirtwaist. Ela fez esse papel fundamental muito bem, deixando o ouvinte atento e ansioso para a próxima Mc.

A parte da Nabrisa começa com um ar de inteligência. Deixando o beat com um grave baixo ela valorizou o seu flow, dando assim uma potência e destaque na letra que dá arrepios. Contando um pouco da sua história, ao falar “Na roda eu vi uma garotinha de oito anos em mim se espelhar”, ela põe em voga o ato da sororidade e como cada mulher é importante na vida da outra.

Lourena, ah Lourena… Que voz! Ouvindo de primeira você vai pensar “Ela irá fazer só uma breve ponte e acabou”. Errado. Ela engata uma marcha com um flow suave que é impossível não pular da cadeira. É disso que uma Cypher precisa, coisas diferenciadas e que não caiam no automático. Como ela mesmo cantou: Elevou o jogo. Outra coisa a se destacar que a parte dela é a metade da música e todas continuaram mantendo o mesmo foco sem sair um minuto do debate. “Meu corpo, minhas regras não é brincadeiras”, mencionado duas vezes reforça isso.

Confesso que tinha uma pequena implicância com a Azzy, muito por outra sequência de Cyphers que como já mencionei, caíram no “modo automático”. Agora vi renascer aquela Azzy sanguinária que rimava aqui na minha área, na batalha do Tanque. Uma das coisas relevantes dela é a sua simplicidade musical. Sem inventar, sem lero-lero e sem meia volta, ela deixa o seu recado encorajando as mulheres em seu verso. Agora mãe, ela também faz dedica sua parte para homenagear a pequena Lua em alguns trechos como “Reproduzo em ouro, reproduzo em ouro/ Ela tem olhos claros, minha Lua de azul”.

Fechando com chave de ouro, para mim o melhor verso do rap nacional dos últimos 5 anos. Gabz dá uma cotovelada na cabeça de quem está ouvindo. Com um speed flow, no seu tempo, ela consegue se superar linha por linha. O que é aquela parte “Sem problemas, vermes e leões no mesmo ecossistema/ Aqui a tigresa pode mais do que o leão? Ela com certeza atingiu toda a sua maturidade musical, que já vinha sendo aprimorada nos últimos trabalhos.

Mulheres no topo. Parece que elas colocaram isso na mente e no coração e essa combinação explosiva foi certeira. Cada uma com sua característica e tempo na música para jogar na cena: Sim, as mulheres do rap nacional estão no jogo e não é para brincadeira.

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