Era (R)esistencia (A)través das (P)alavras

Escrito por Fellipe Santos 16/03/2018 às 11:00

Foto: Divulgação
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Hoje em dia é inegável que o rap chegou a um patamar que nunca esteve antes em toda sua história. Mas nem sempre foi assim. Esse som surgiu nas periferias de Nova York na década de 1980, quando muitos jovens norte-americanos, cansados da disco music (grande parte não tinha grana para frequentá-las) começaram a mixar músicas, e criar sobre elas, arranjos específicos. O MC (mestre de cerimônia) é o responsável por cantar a poesia por cima da batida. A etimologia da palavra explica tudo: rhythm and poetry (ritmo e poesia). O marco inicial do rap norte-americano foi o lançamento do disco Rapper’s Delight, do grupo Sugarhill Gang. Resumidamente, foi assim que o rap se iniciou. Enquanto isso, a história do rap no Brasil se iniciava com a mesma função: protesto.

O rap surgiu dividindo espaço com a cena punk, que também começava a crescer em São Paulo, por volta de 1980. O som não era aceito justamente por relatar o cotidiano periférico. Era música violenta. Sem massagem. Como aceitar como talento uma poesia que denunciava a violência policial, a repressão e a pobreza? Lembrando que nessa época era recente o “fim” da ditadura militar no país. Uma das maiores contribuições do rap foi mostrar que a ditadura militar não havia de fato acabado, ela continua viva, mas agora travestida de democracia. Uma democracia que tortura, reprime, e que traz consigo resquícios da ditadura e de um passado ainda não resolvido no Brasil. Não é à toa que boa parte dos raps narram a violência policial dentro das favelas e combatem os abusos de autoridade que são na verdade a continuidade do que aconteceu durante a ditadura.

O primeiro álbum exclusivo de rap brasileiro que se tem notícia é Hip-Hop Cultura de Rua, lançado em 1988 e produzido por Nasi e André Jung, ambos integrantes do grupo de rock Ira!. Nele foram apresentados artistas como Thaíde e DJ Hum, MC Jack e Código 13. No mesmo ano, a segunda coletânea foi lançada e projetou um dos maiores grupos da história do rap brasileiro, os Racionais MC’sConsciência Black, Vol. I, reuniu oito faixas, dentre elas “Tempos Difíceis” e “Racistas Otários”. A maior parte das gravadoras que produziam esses discos eram de pessoas que organizavam os famosos bailes blacks.

Atualmente, o rap ganhou espaço, mídia, novos arranjos, novos temas e isso gera um longo debate sobre a velha escola e a nova escola. Para alguns, a vida mudou. Como de costume, a indústria musical transformou parte das rimas de protesto em rimas sobre sexo, drogas, festas. Porque isso é o que vende, é o que traz lucro. E para a indústria, não interessa se toda a história do rap foi construída com sangue, suor e lágrimas de MC’s que foram perseguidos por falar a verdade. Mas os problemas são os mesmos. O racismo ainda existe, a violência e repressão policial ainda existem, a pobreza ainda existe, a fome ainda existe.

“Perseguido eu já nasci, demorô!”. A frase de Mano Brown explica em poucas palavras o que é defender o rap no Brasil. Ninguém havia tocado o dedo na ferida da forma como foi feito. Não havia crítica relacionada ao racismo e miséria e nada que retratasse a juventude marginalizada simplesmente pela cor da pele. E só é possível calar quem faz barulho. É impossível não reconhecer a importância política do Tropicalismo no fim dos anos 60’s e início dos 70’s e a força do rock nacional de 1980. Mas, diretamente, nenhum desses movimentos fez o que o rap fez. Foi o rap que deu voz para comunidades periféricas que não eram sequer consideradas até ali. Foi o rap que injetou autoestima em milhares de jovens pobres que não tinham nenhum tipo de representação ou espelho.

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